O Suporte

 

 

Será deslumbrante o dia em que sua biografia, ainda que em poucas páginas, for editada e publicada. É comum vê-la verbalizar sobre tal vontade. Não porque ela a queira exposta às milhares de pessoas que, gratuitamente ou não, poderiam se apossar da obra e entender como toda sua bela vida fora minuciosamente bem vivida. Deslumbrante, sim, seria porque, na visão dela, somente aí ela deixaria o legado; somente publicando sua biografia a vida faria sentido aos outros. Aliás, esse talvez seja, depois de tudo viver, o maior sonho de minha querida Mãe. Hoje, em plena comemoração de seus 63, exponho aqui minha humilde posição sobre tal fato.

Ao lado de casa, já há alguns meses, estão construindo um prédio. Quiçá terminem em tempo. Digo porque, como se sabe, o trabalho árduo do construtor está no início da obra, momento em que aqui infelizmente ela se encontra. Os operários, ali, precisam de paciência; os vizinhos, pobres vizinhos, mais paciência ainda. As máquinas que perfuram o solo são barulhentas e param somente porque os funcionários precisam manter suas necessidades fisiológicas em dia. Nesta fase, porém — e é justamente este o argumento que me permite compreender os tuntuns — , operários estão a construir aquilo que, no futuro, dará sustentação ao prédio: o suporte. (…) E, reflitamos, se, por obra do acaso ou da incompetência do malformado engenheiro, o prédio não se apoiasse sobre um suporte, nada seria. Como um palito, que não pára em pé quando não está fincado num pedaço de carne ou queijo, o prédio ficaria  a cambalear a qualquer condição. Cairia, decerto, quando atingido por fortes rajadas de vento, ou nem tão fortes assim, ultimamente bastante comuns aqui em Guarulhos. Não seria, portanto, um prédio, mas todo entulho.

Muito embora haja íntima afeição entre mim e a ideia de vê-la plantada à frente da tela de um moderno computador escrevendo tal biografia, meu sentimento acerca dessa vontade que ela tem de publicá-la é de repúdio. (…) O prédio não se vende pelo suporte ou, entende-se melhor, pelo buraco que o sustenta, mas por tudo aquilo que é construído sobre tal buraco. Vendem-se os apartamentos, suspensos, mas não se vende o buraco. Aliás, não se vende sequer o porão que se constrói naquele pedaço; muito pelo contrário, enche-se de carros e poeira. (…) Minha querida Mãe é o suporte da família.

Ficaríamos aqui, a cambalear, se ela não estivesse presente. E cambalearíamos quando a falta de paciência tomasse conta do ser, quando o bom arroz e feijão materno nos faltassem ou quando, ainda que por um lapso, deixássemos de entender que a família, sob a égide da mãe, é a base que sustenta todo o resto. E é assim que funciona com Odorica Aureliana Girarde, minha querida Mãe: está a todo o momento, paciente como só ela, equalizando o patriarca, suportando tudo e todos como a pedra fundamental de uma obra. Sua serenidade, poucas vezes quebrada, é que dá o tom. Seu legado, aí sim, aparece sob a forma de um importante papel.

Se não pelo duvidoso lucro com as vendas, minha mãe não precisa de uma biografia editada e publicada. Aos 63 anos, completos hoje, ela pode se encher de orgulho, o bom, ao dizer que, sim, sustenta todo o amor necessário a uma família. E o faz como todo trabalho que se emprega antes da construção de um prédio; ela o faz como toda boa e exemplar mãe. Seu legado e seu sorriso, esses sim, não morrerão em nossos corações. E que dure por anos e mais anos, assim como duram os patrimônios históricos  que há tanto tempo estão por aí, em pé, fincados sobre (…) um suporte.

Obrigado, amada Mãe. Feliz aniversário.

Eu te amo!

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