Fim da era bairrista

 

 

Imagine todo o mundo. Os mares, as campinas, as montanhas e as calotas polares. Todo ele. Com suas cidades, pessoas, as músicas e os anseios. Os celulares, os carros, as árvores e suas confusões. Frutas, desertos, livros e suas ditas maravilhas. Fusos horários. O mundo. Terra. (…) Pode parecer incrível, mas talvez essa seja a forma mais inusitada de enxergá-lo. A mais rara. De repente porque aprendemos a vê-lo de modo segmentado. E o mundo, assim, passa a ser a realidade na qual vivemos, o mundo que vemos. Enxergamos o que está à frente de nossos olhos e, pumba!, cremos com veemência que o mundo está ali. Inteiro. Só aquilo. (…) Engano. Não está.

O Aurélio, utensílio essencial aos casebres que prezam pelo respeito à língua e à cultura, define a palavra bairrista de modo bastante peculiar. Diz que o termo representa o tipo de “pessoa que, levada por uma visão estreita do patriotismo, só considera como sua pátria o estado natal e hostiliza ou menospreza tudo quanto se refere aos demais”. Ah, entendi: uma versão burra do patriota. (…) Seria algo como outorgar ao animal no qual lhe enfiam uma espécie de focinheira — ferramenta que o impede de olhar para a completude do mundo, coitado — o título de bairrista. Porque o bairrista é assim: enxerga o mundo como lhe é conveniente, fingindo, forçando-se ou sendo forçado para que não se deslumbre com os espetáculos do mundo. O mundo inteiro.

É como o jovem que descarta as alternativas que seu talento pictórico lhe dá e tende a enxergar o futuro sob a egoísta ótica de seus pais — digo nos casos em que ambos torcem fanaticamente para que o tal seja médico, por exemplo, ao invés de designer. É como a mulher apaixonada que, ingênua e iludida, aguarda cheia de esperanças por seu príncipe encantado quando, na verdade, o tal príncipe já está ali, bem perto, mas escondido por detrás da grossa porta da masmorra. É como o infeliz que não crê na felicidade, mas não se esforça para compreender que a tal não existe simplesmente porque, para ele, as fronteiras de seu próprio bairrismo se tornaram intransponíveis, altas demais. É como aquela famosa mulher que, linda, incrível, desfilando num vestidinho preto indefectível, vive fechada em seu mundo. (…) Ahh! ‘Pra mim, chega.

(…)

Declaro, aqui, o fim de minha era bairrista.

Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação — não do bairro — , estou pronto! Digo a quem possa se interessar que, a partir de hoje, deixei de ser bairrista. Dotado de uma outra visão, agora mais completa, quero ver mares, campinas, montanhas, cidades, pessoas, músicas, livros e as maravilhas do mundo de uma forma distinta. Tudo além, sem fronteiras. O mundo todo à vista. (…) Então, enfim, um novo mundo, novos aromas, novos amores.

Tudo novo de novo.

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