Assim caminha a humanidade

 

 

Além de Goonies, outro grande filme fez parte da minha infância. De 1982, “ET: O Extraterrestre” contava a história de um alien estranho, com cabeça ovalada, voz metalizada, corpo feio e franzino, que se perdeu na Terra e acabou sendo recebido acidentalmente pelo menino Elliot, de 10 anos. Amedrontado com a possível captura do novo amigo por parte das forças secretas americanas, o garoto protegia o ser do além com o intuito de fazê-lo retornar ao seu planeta, à sua casa. Fato óbvio — dado que nasci em 1981 — , assisti ao filme bem depois, mas foram várias as vezes em que sentei à frente de uma TV de tubo para vê-lo. Creio, sem exagero, que o tenha visto umas 8 vezes. Exagero. (…) O mais interessante é que, para mim, marcante em toda a história foi o fato de que ambos, menino e ET, sentiam sono, fome, assustavam-se, ficavam embriagados e adoeciam juntos. Identifiquei-me com aquilo. Identifico-me.

Na vida, sempre fiz o papel do ET. Bem capaz que, à luz da época, assistia ao filme e então caminhava passivamente na mesma sintonia das pessoas com as quais me relacionava. E digo porque ainda é assim, duas décadas depois. Hoje, impressiono-me com a distinção entre as tratativas: com uma garota, por exemplo, sou extremamente dócil; com outra, agressivo como ácido sulfúrico. Não por vingança, emburro-me quando me relaciono com emburrados; e não para agradar, sorrio alegremente, com o coração, quando me deparo com pessoas que emanam alegria. Parece-me que há, de fato, um laço entre mim e o que o outro é; entre o meu eu, na essência, e o do outro. (…) E assim caminha a humanidade: sorri quando o outro sorri; lacrimeja quando o outro lacrimeja; gargalha quando o outro faz o mesmo; e é feliz, ah! o ser-feliz!, somente quando em conjunto, a dois ou mais. (…) Menino e ET sentiam o mesmo. E conosco também é assim.

Tanto pra você quanto pra mim.

O Abraço

 

 

Acabo de receber um dos abraços mais marcantes de toda a minha vida. Um abraço de mãe, de mamãe, da minha querida mãe. Senti-me há pouco como se habitasse um novo mundo, envolvido pelos braços de quem amo e sobre um colo tão confortável quanto aqueles em que meus pais me receberam pela primeira vez, ainda bebê. (…) Acabo de ser tomado por uma sensação sublime, incomum e rara, do tipo que, por conta do mundo contemporâneo e suas novas configurações, experimentamos somente em momentos especiais. E, ¿quer saber?, o sentido da vida — a felicidade, o ser-feliz — coube ali, num abraço. Aquele Abraço.

Em retrato, os olhos se fecham como se a Terra não fosse ambiente suficiente para suportar tamanha intensidade, tão forte luz. Os tímpanos deixam de vibrar para que o corpo, tomado por um extraordinário sentido não-científico, possa reverberar energia ao invés de sons. Os corpos, ainda que guardados à sombra de roupas vendidas sob a superfície deste mundo, transformam-se num, somente um. Lágrimas brindam o encontro para que se refresquem os fervores do sentimento, ou talvez porque simplesmente simbolizam o pranto, aquela reação natural decorrente óbvia de tal sensação e típica da máquina humana. (…) Enfim, um abraço. O Abraço.

Ligação, união, demonstração de afeto e amizade. Amplexo. (…) Tão logo se foi e passei a pensar sobre os possíveis motivos pelos quais não abraçamos. Pois abraçamos com menos intensidade a qualquer momento, qualquer coisa, mas não abraçamos de verdade. Porque o abraço — o verdadeiro — é assim que se dá. Porque o abraço — o marcante — só se dá assim. E, assim, pouco importa o porquê de ter se dado. E quando imagino, então, o motivo pelos quais não abraçamos, fico a ver navios, não chego a conclusão alguma. E a imaginação fica assim, triste, a questionar: ¿por que não abraçamos? ¿por que não viver, agora, a sensação que nos remete à felicidade? ¿por que precisamos de motivos?

Acabo de receber um dos abraços mais marcantes de toda a minha vida. Um abraço de mãe. Acabo de entender também que a felicidade está aqui, ali, bem perto, e se mostra singela como num aperto sincero. Simples. Basta somente que meus braços estejam dispostos. E os seus. E também os braços dele. Os braços dela.

Abraços.

Sobre meu Universo

 

 

Meu Universo Criativo, este blog, completou 2 anos e alguns poucos meses. Foi ao fim de 2008 que escrevi pela primeira vez. E repito: escrevo principalmente para meus filhos — ainda que ainda não os tenha — e também à minha família, amigos e leitores assíduos, mais ninguém. Quero imprimir exemplares de um livro quando completar 300 bons posts. Meados de 2015. E nada de sair vendendo por aí. (…) A partir de uma vontade tremenda de um dia viver disso, da escrita, a obra será apenas uma espécie de legado que deixarei em vida. O nome: Universo Criativo, claro.

É que,  eu realmente acredito, existe uma dimensão na mente de cada indivíduo na qual a felicidade é plena, na qual a vida é exatamente o que se espera dela. É, como todo bom bem intangível, um universo de criatividade. Ali, livre, o ser humano imagina o trabalho, as relações, o amor, o ambiente e o futuro à sua moda. E ali não há trânsito, encontram-se muitos amigos, abraça-se a pessoa amada, experimentam-se muitos sorrisos e vivencia-se, sobretudo, a experiência de ser feliz. (…) Então, como se houvesse dois mundos — o hostil e o dos sonhos — , como se fossem dois blocos, num deles nós respiramos a poluição, a briga, a infundada discussão e a intriga. Neste, onde agora estamos a respirar, muito do que se deslumbra inexplicavelmente não existe. Já noutro, eu realmente acredito, há tudo que se espera. E esse, o segundo, é o universo criativo pessoal, um espaço brilhante onde somos livres para a expressão, livres para pensar a nossa história. (…) Aqui, sob a forma de blog, um retrato do meu mundo dos sonhos.

Há dois dias, na instituição de ensino onde leciono, duas alunas (foto) dispararam a reclamar sobre o fato de que não escrevo no blog com muita frequência. Estive a pensar profundamente sobre os motivos e concluí: meu universo criativo hiberna nos períodos em que o mundo hostil se torna preponderante. Tanto que — e para isso basta ler o post anterior — muitas vezes as crendices mundanas passam a fazer parte do mundo dos sonhos. E o Universo Criativo, nestas condições, se enviesa todo; fica dias e dias às traças, sozinho, empoeirado, num abandono só. Digo porque, quando em evidência, essa dimensão brilhante transborda de energia do bem, liberdade e amor. É felicidade pura.

Longe de ser o segredo, creio que encontrar a felicidade é alinhar tais mundos. Porque — e eu também acredito — quando o que se vive aqui for próximo do que se imagina nos sonhos, depararemo-nos, enfim, com a tal felicidade (…) ou ao menos estaremos mais próximos dela. Então, quando a figura que se vê diante dos olhos se entrelaçar àquilo que se imagina, ali estará a felicidade. Como acontece na situação em que a mãe abraça o filho.

Meninas, obrigado pelo input. Fez-me pensar.

Bocós na crista da onda

 

 

Aqui, em novembro de 2010, eu escrevia sobre a máxima de que o mundo é o que a gente enxerga. Em decorrência disso, imaginemos, frequentemente tomamos decisões como se a percepção dos outros fosse espelhada na nossa, exatamente à mesma forma. Óbvio — muito óbvio! — : não é. Muitas de nossas escolhas são provenientes de uma percepção peculiar acerca do fato em questão, ou melhor, são geralmente frutos daquilo que se percebe como legal e justo. Cada um pensa dentro de seu quadrado, cada qual com seu próprio umbigo. (…) Nesse contexto, uma nova regra passou a surgir: tudo que se posiciona em mainstream — a corrente em voga, a tendência atual — não é mais permitido. Enfim, posso ter uma boa imagem, ser bem-sucedido E ouvir Justin Bieber?

Parece-me que, na ânsia por se diferenciar de modo rápido e mentiroso, um bando de indivíduos naturalmente medíocres e inseguros outorgaram uma pseudo-lei essencialmente infeliz: para viver na crista da onda, identificar-se com algo popular é terminantemente proibido. Ser bem visto, portanto, é condição que impede o contribuinte de assistir ao Big Brother Brasil, ir aos jogos de futebol nos finais de semana, ouvir sucessos do pagode ou até mesmo comparecer ao encontro anual do sindicato brasileiro de nerds do tipo quero-ser-Zuckerberg. Afinal, nada que é pop pode. Assistir novela, por exemplo, passou a ser evento para quem quer destruir a própria vida, bem como fazer qualquer coisa que não seja curtir música erudita, ler livros dificílimos, entender um pouco sobre cultura científico-imbecil, curtir um sistema operacional incomum ou desdenhar mainstreamers utilizando-se de palavras e jargões intraduzíveis.

Hoje, numa linda tarde de sábado, minhas sobrinhas e mãe foram ao cinema assistir ao Never Say Never, protagonizado por Justin Bieber. Afinal, elas podem. Mas e se EU fosse ao cinema para curtir o filme estrelado pelo jovem cantor com voz típica de quem acabou de sair da puberdade? Pois então diriam que sou gay, tenho a consciência de um jovem imaturo e perco o meu precioso tempo com inutilidades. Elas, sim, podem. E estou certo de que podem porque, na visão do tal bando que outorgou a pseudo-lei, minhas lindas mulheres são inofensivas. Mamãe tem 63 anos; Nicole e Marina, respectivamente 8 e 4. (…) Há, na verdade, sob a ótica desses indivíduos naturalmente medíocres, uma preocupação além-conta com a vida alheia, principalmente quando esta demonstra estar de bem com o mundo, em paz. No fundo, até entendo: vidas bem vividas são invejáveis e instigantes.

(…)

Eu prefiro Justin Bieber ao Paul McCartney. Amo música eletrônica. Gosto de futebol e grito alto quando meu time vence o arquirrival. Sou sensível ao ponto de chorar vendo propaganda. Adoro o seriado Chaves. Não me interesso por muitos dos livros da literatura nacional. Enjoam-me as músicas clássicas quando reproduzidas por mais de 15 minutos. Não frequento pubs. Não sou programador. Beirando os 30, gosto de videogame e joguinhos viciantes da internet. Minha rádio preferida é a Jovem Pan FM. CQC e Pânico na TV são bons. Exceto nos divertidos períodos que antecedem as eleições, pouco ligo para a política. Identifico-me com atitudes românticas. Uso AllStar em ambientes corporativos. Leio o caderno de esportes antes dos outros. Não sou fluente em história ou economia contemporânea. Curtia o Programa do Ratinho e nunca terminei de assistir a sequer uma edição do Café Filosófico. Não entendo algumas das ideias de Karl Marx. Já comprei CD da Shakira.

(…)

Afinal, sou idiota?

Viva!

Fim da era bairrista

 

 

Imagine todo o mundo. Os mares, as campinas, as montanhas e as calotas polares. Todo ele. Com suas cidades, pessoas, as músicas e os anseios. Os celulares, os carros, as árvores e suas confusões. Frutas, desertos, livros e suas ditas maravilhas. Fusos horários. O mundo. Terra. (…) Pode parecer incrível, mas talvez essa seja a forma mais inusitada de enxergá-lo. A mais rara. De repente porque aprendemos a vê-lo de modo segmentado. E o mundo, assim, passa a ser a realidade na qual vivemos, o mundo que vemos. Enxergamos o que está à frente de nossos olhos e, pumba!, cremos com veemência que o mundo está ali. Inteiro. Só aquilo. (…) Engano. Não está.

O Aurélio, utensílio essencial aos casebres que prezam pelo respeito à língua e à cultura, define a palavra bairrista de modo bastante peculiar. Diz que o termo representa o tipo de “pessoa que, levada por uma visão estreita do patriotismo, só considera como sua pátria o estado natal e hostiliza ou menospreza tudo quanto se refere aos demais”. Ah, entendi: uma versão burra do patriota. (…) Seria algo como outorgar ao animal no qual lhe enfiam uma espécie de focinheira — ferramenta que o impede de olhar para a completude do mundo, coitado — o título de bairrista. Porque o bairrista é assim: enxerga o mundo como lhe é conveniente, fingindo, forçando-se ou sendo forçado para que não se deslumbre com os espetáculos do mundo. O mundo inteiro.

É como o jovem que descarta as alternativas que seu talento pictórico lhe dá e tende a enxergar o futuro sob a egoísta ótica de seus pais — digo nos casos em que ambos torcem fanaticamente para que o tal seja médico, por exemplo, ao invés de designer. É como a mulher apaixonada que, ingênua e iludida, aguarda cheia de esperanças por seu príncipe encantado quando, na verdade, o tal príncipe já está ali, bem perto, mas escondido por detrás da grossa porta da masmorra. É como o infeliz que não crê na felicidade, mas não se esforça para compreender que a tal não existe simplesmente porque, para ele, as fronteiras de seu próprio bairrismo se tornaram intransponíveis, altas demais. É como aquela famosa mulher que, linda, incrível, desfilando num vestidinho preto indefectível, vive fechada em seu mundo. (…) Ahh! ‘Pra mim, chega.

(…)

Declaro, aqui, o fim de minha era bairrista.

Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação — não do bairro — , estou pronto! Digo a quem possa se interessar que, a partir de hoje, deixei de ser bairrista. Dotado de uma outra visão, agora mais completa, quero ver mares, campinas, montanhas, cidades, pessoas, músicas, livros e as maravilhas do mundo de uma forma distinta. Tudo além, sem fronteiras. O mundo todo à vista. (…) Então, enfim, um novo mundo, novos aromas, novos amores.

Tudo novo de novo.