Difícil é ser grato. De repente porque, por natureza, somos limitados às nossas conquistas. Paralisamo-nos à mesma medida em que nossos objetivos são alcançados. Tudo, não importa: pode ser o amor em qualquer esfera, o dinheiro, o poder, a vida que pedimos a Deus. Parece-me que, quando conquistamos, paramos ali. Surgem novos objetivos. Perde-se a graça. Perde-se de vista o porquê de tudo. Então, por fim, por termos, deixamos de agradecer.
Agradeçamos, no imperativo, soa clichê e tampouco esta discussão. Ainda assim, reflitamos. (…) Aqui, reflito porque penso. Posso. Digito porque tenho movimentos nos dedos. Posso. Você lê porque vê. Pode. E entende não somente porque vê, mas também pelo fato de possuir aí dentro um sistema nervoso central aparentemente intacto, com cérebro e tudo. Tens um. Temos. E, sendo assim, reflitamos: não nos falham os olhos, os dedos, a mente ou a própria reflexão. Não nos falham a fala, os sons, os aromas, o toque ou os sabores. Levante-se e, se bem consegue, sentirá que também os músculos da perna não lhe faltam. Funcionam, você os tem. E, mesmo assim, não somos gratos.
Agradeçamos ainda soa clichê e tampouco esta discussão, mas continuemos a refletir. (…) A luz somente valorizamos quando se esconde. Basta que se vá e tudo ao redor — exceto as bugigangas modernas movidas a baterias — puf. Corre-corre a procurar uma vela ou algo que possa ali nos iluminar. O monitor pára repentinamente de funcionar e o texto, se não foi salvo, vai junto à danada da luz, para bem longe. Se o telefone é sem fio, findam-se também as possibilidades de receber telefonemas e, junto, as de um banho quente. Eleva-se, então, um novo objetivo: clamar pela volta da energia. É um tal de se virar para sobreviver até que, num click, a geladeira volta a funcionar. Eba! Voltou a luz! E então, somente aí, um obrigado. É a gratidão de volta. Eu era feliz e não sabia.
Questiono-me ¿por que agradecemos somente quando a gratidão se torna imprescindível? Talvez porque fomos educados a utilizar obrigado somente quando recebemos algo. Do mesmo modo, é como se a gratidão não fosse intransitiva, mas simplesmente uma resposta ao mimo. Não agradeço por estar vivo, mas porque sobrevivi. Não agradeço porque tenho o movimento das mãos, mas porque não o perdi. Não agradeço porque a luz elétrica está disponível, mas quando ela volta. (…) Seguimos não dizendo obrigado pelo corpo saudável, pelo alimento do dia-a-dia ou mesmo pela conta paga, enfim, no fim do mês. E igualmente não agradecemos quando, vivos, nossos parentes — filhos, pais, avós, netos — estão próximos a festejar, quando nos acomodamos em nossos postos de trabalho, quando Deus nos dá a bela vida que pedimos ou quando, depois de um banho quente, deitamos sob o calor dos edredons e abraçamos o amor de nossas vidas. Somos ingratos. Molestos. Não agradecemos.
Agradeçamos a cada conquista porque, pensando bem, agradecer não é clichê. Posso. Podemos. (…) Clichê é não agradecer. Clichê é valorizar somente quando perde.
(…)
Obrigado.