O garoto petrificado em frente ao pôster hesitou quando me viu. Foi um daqueles momentos em que o cérebro — talvez por silenciosamente entender que há algo muito especial prestes a acontecer — parece deletar propositalmente as desimportâncias só para que a verdadeira lição a ser absorvida permaneça em seus miolos, estes que acabam por armazenar exclusivamente a história por meio da qual geralmente narramos as lembranças e a própria vida. Confesso, aproximei-me porque senti pena. Ele era novo, franzino, cabelos curtos, aparentava 15 e ali seguiu como pedra quando resolvi, por sorte ou obra divina, indagá-lo sobre seu trabalho de iniciação científica. Dali em diante, quatro descobertas: primeiro, descobri que não só a postura do jovem, mas também o tema da investigação repelia os espectadores: ele defendia com amarelados unhas e dentes a pedregosa e retorcida caatinga — vegetação secularmente classificada como árida e paupérrima — com um discurso rico e frondoso. Também descobriria minutos depois que aquela era a primeira apresentação do jovem garoto naquela tenda calorenta repleta de pesquisadores, cientistas e ventiladores mequetrefes que pouco nos refrigeravam. Estávamos em São Luís, Maranhão e lá no fundo — concordo, é pura crença — aquela apresentação mudou tanto a minha vida, tanto!, que eu não tenho dúvida de que aquele garoto franzino de 15 anos estudou a tal vegetação ao longo de todo um ano só para timidamente, feito pedra, levar-me à terceira descoberta: meu sonho.
Eu nunca soube o nome dele e não me lembro exatamente de onde vinha, embora haja indícios de que vivesse à beira da caatinga. Uma pena. Fato é que um garoto sem-nome, franzino, 15, tímido, amante de pesquisa e realmente transformador me fez refletir naquela mesma noite, quando sentei em frente ao computador e a uma das mesas do hotel à beira-mar, arquitetonicamente desenhado como se fosse um veleiro. Oras, pensava, por que não estimular outros jovens como aquele na árdua tarefa de descobrir e defender seus anseios com unhas, dentes e o que mais lhe dessem nas telhas? Por que não acreditar que mais experiências como aquela pudessem acontecer? Todos de 15, 18, de cabelos curtos, longos, de sorrisos metálicos, amarelos, leitores, YouTubers, de riso fácil, tímido, de texto fluido, emperrado, de tema descoberto, a ser descoberto, de direita, esquerda, de tinta no cabelo, careca, habitante da caatinga ou Mata Atlântica: por que não todos esses jovens?
Muito tempo se passou até que Gucoff pudesse sentar à minha frente. Nova, franzina, cabelos curtos, aparentava 15 e ali, na mesa, tímida, também seguiu como pedra até iniciarmos um debate caloroso sobre o tema de sua primeira investigação científica. O tema, em si, a priori não me importava. E não importava, pois, depois do garoto sem-nome, o meu objetivo em ocasiões como essa sempre foi o mesmo: descobrir a caatinga em cada um. Afinal, qual assunto poderia transformar Gucoff a tal ponto que, frondosa como a tal vegetação, ela também pudesse servir de estímulo aos outros como o jovem garoto serviu a mim? E, juntos, horas a fio, Gucoff e eu descobrimos.
Recebi há pouco uma declaração amorosa de Gucoff sob a forma de um texto bem escrito. Nas entrelinhas, sua mensagem trazia uma carga explosiva de estímulos concentrados que me impulsionam a seguir acreditando na lição aprendida já na primeira descoberta: nem sempre uma vegetação rústica, espinhosa, seca e retorcida é pobre como aparenta; muito pelo contrário, dela muitos bons frutos podem surgir.
#AvanteSyans