Meu primeiro milhão

 

Meu primeiro milhão

 

Quando chora, tristeza; quando sorri, alegria. E quando não chora tampouco esboça um sorriso? Talvez por conforto ou mesmo preguiça de pensar, somos do tipo que bem entendemos as situações nas quais as correlações, sentimentos e evidências são claros e — estatisticamente falando — se encontram nas pontas de uma suposta curva de Gauss. Assim, se um indivíduo sorri, tendemos a entender que se sente bem, ao passo que se o mesmo indivíduo chora, inferimos que precisa de algo. Parece fácil, mas não é. E não é porque a escala, justamente por ser uma escala, não abriga pontos somente em seus extremos. Ao contrário do que parece, a maior concentração de pontos está em níveis médios, ou seja, as correlações, sentimentos e evidências que se referem às mais distintas situações são imperceptíveis [sobretudo em níveis médios] aos olhos de quem os analisa levianamente. Nesse sentido, se o indivíduo não sorri e não chora, a análise, a fim de que realmente se entenda a situação, precisa se dar à moda profunda, complexa.

Um milhão de reais é percebido como tal quando sob a forma de papel-moeda. Ao fim da contagem das notas, é evidente — para não dizer óbvio! — que, exceto nos casos em que houver cédulas falsas, um milhão vale um milhão. Quando sob outra forma, porém, um milhão de reais vale menos, por vezes mais, mas é improvável que valha exatamente um milhão. Em suma, sob a forma de papel-moeda o milhão se encontra no ponto de equilíbrio da escala. Já sob a forma de experiência ou amor, como exemplos, num dos níveis intermediários. […] Minha tese infundada de que o valor é comumente percebido somente quando o produto de uma situação se torna tangível pode ser ilustrada por um exemplo simples: a relação aparentemente injusta que existe entre o empreendedor e a primeira fase do ciclo de vida da organização estabelecida por ele, situação na qual o dinheiro aparece pouco, mas o valor do esforço, ao menos no início, é absorvido sob a forma de experiência. […] Outro exemplo, ainda mais simples, diz respeito aos relacionamentos. Quando um homem se declara, oferece à mulher muito mais do que uma estrutura óssea envolta por órgãos futuristas e coberta por uma camada multitouch de pele. Quando apaixonado se declara, o homem oferece à mulher seu coração, sua família constituída e o desejo íntimo de constituir sua própria e sua guarida, com filhos e netos. À venda, pense bem, a compra de todo esse pacote não seria suficiente com um mísero milhão. Curioso, entretanto, é que tal situação está em níveis intermediários e, assim, não é percebida pela mulher, que analisa o contexto de maneira leviana. Assim, às cegas pela não-mensuração do valor ou pela preguiça de ser complexa, a mulher não absorve a oferta milionária e continua a aguardar ansiosa pelo príncipe encantado — esse, sim, situado no extremo da escala.

Meu primeiro milhão eu já conquistei, mas sob outras formas. Valem milhões minha família, amigos e trabalho. Valem milhões todos os meus amores. Ah, e hoje sou tão rico que já ofereço maletas milionárias por aí. O segredo está na complexidade da análise.

Who wants to be a millionaire? 

O Poder do Apito

apito


Este post não visa trazer à luz uma nova discussão sobre Carlos Eugênio Simon, árbitro que errou durante um dos jogos do Palmeiras no campeonato brasileiro de futebol e anda sendo vítima de retaliações por conta disso. Este post tem, sim, o simples e importante intuito de prestar homenagem a um grupo distinto de alunos que durante todo este semestre letivo me fez repensar sobre educação, respeito, comprometimento, sobre a relação entre os alunos e o professor e, além, sobre como passar a fazer parte da vida de um indivíduo.

A Escola Superior Paulista de Administração, onde leciono, iniciou suas atividades em 2006. Na ocasião, recebeu as primeiras matrículas e construiu sua primeira turma que, hoje, é formada por Abner, Alessandra, Aninha, Ariane, Barbara Lee, Bruno Patti, Camila, Clayton, Debora, Erica Loose, Erika Novaes, Everton, Fabinho, Fabrício, Felipe Gustavo, Leon, Flavinha, Albergoni, Gaspar, Jucelene, Maria Angelica, Marianna, Maricelia, Monique, Zandoná, Zorro, Paloma, Chaves, Renata Aparecida, Canossa, Eckert, Santaguida, Simone, Thallyta, Thiago Amauri, Tiago Henrique, Vanesa, Vinicius, Cremonesi e Wilson Felipe.

Hoje, meses depois do primeiro contato, não tenho dúvidas de que esta talvez tenha sido a melhor (ou uma das melhores) dentre todas as turmas com as quais já trabalhei. Ovelhas negras, esses alunos vivenciaram as mais diversas experiências, desde trabalhos apresentados em auditório e stands até guerras de indisciplina. São, em todos os sentidos, pioneiros.

(…)

Quando adolescente, minutos depois de ser convidado a sair da sala por indisciplina, ouvi da diretora que alunos indisciplinados, justamente por serem indisciplinados, são mais propensos a alcançar melhores postos. Isso porque, segundo ela, o status quo do mercado de trabalho é geralmente quebrado pelo tipo indisciplinado de aluno (e não pelo correto, que geralmente é avesso às quebras). A indisciplina, pense bem, é inversamente proporcional à atenção. Sendo assim, muito embora não haja evidência científica de que essa afirmação seja universalmente aceitável, concordo em alguns aspectos com ela. Quando atentos, alunos indisciplinados têm uma tendência natural a indagar de modo mais crítico. Quando atentos, alunos indisciplinados vão além. Detalhe: quando atentos.

O problema: os alunos pioneiros em questão não são atentos. Muito pelo contrário, bagunçam ‘pra caramba! São alunos indisciplinados.

Por que, então, homenagear um grupo indisciplinado?

Porque foi este o grupo indisciplinado que durante todo este semestre letivo me fez repensar sobre educação, respeito, comprometimento, sobre a relação entre os alunos e o professor e, além, sobre como passar a fazer parte da vida de um indivíduo.

(…)

Obrigado pelas dicas, Carlos Eugênio Simon.
Para disciplina, bastou um apito.

Ensaio sobre a liberdade


aquario



Trabalho como professor universitário. Aos 15, ainda adolescente, não me passava pela cabeça que seria, aos 28, um desses. Até aí, nada de anormal. Anormal, porém, talvez seja o fato de que sempre, desde que me conheço, fui avesso ao sistema educacional. Como professor universitário, por obediência às normas, aplico provas, avalio alunos e responsabilizo-me pela aprovação ou reprovação nas disciplinas em que leciono. Como professor universitário, não poderia ser diferente, gostaria que os alunos fossem mais livres. E livres porque, afinal de contas, no momento em que escolhem um dentre os ramos de atuação disponíveis por aí, os alunos já estão disputando espaço e, caso não estejam a fim, que arquem com as consequências (se é que haverá).

O problema da falta de liberdade, porém, não se restringe aos meus profundos desejos de alterar o sistema educacional e as resultantes decorrentes de sua ausência; a liberdade, quando em excesso, também pode gerar problemas. Se tal ausência provoca situações em que o indivíduo se sente desmotivado e afônico ao imaginar mudanças, o exagero promove, na mesma proporção, reivindicações em excesso, democracia em níveis absolutos (…) e nessa condição, livre, o bendito indivíduo passa a achar que pode fazer tudo. Para ilustrar, basta relembrar os casos comuns de funcionários que, justamente por serem livres demais, fazem o que bem entendem, os casos dos jogadores que tiram o cartão amarelo das mãos do árbitro e o adverte ou, um exemplo mais familiar, o quão raros são os relacionamentos nos quais muita liberdade não é motivo para desavenças.

Falando em relacionamentos, neles a liberdade e a confiança andam de mãos dadas; isso porque quando a liberdade está nas pontas de um gráfico de crescimento (carente ou em excesso), há indícios de que a confiança, por sua vez, não está em grau sequer aceitável. Por um lado, o da carência, comuns são as situações em que a liberdade é buscada. Por outro, o do excesso, desconfia-se do indivíduo que se aproveita da liberdade que tem. Creio, por tudo, que essa conexão entre liberdade e confiança seja um dos principais motivos que impulsionam tomadas de decisões erradas no amor e, por consequência, afogam casais que poderiam dar certo.

Como professor universitário, ainda assim, não há em mim qualquer fundamento teórico que seja capaz de comprovar o que escrevo. Há, porém, uma vontade tremenda de alterar em 0,001% o sistema educacional no qual estamos inseridos, de diminuir a liberdade que me torna um líder humano demais, de estar vivo para ver jogadores sendo expulsos quando acharem que podem fazer qualquer coisa num campo de futebol e, acima de tudo, de encontrar o equilíbrio num relacionamento que — o meu maior sonho — seja eterno.


Vende-se falso moralismo

brazil2016



Este post não visa discutir sobre moralismo levando em conta o conceito do termo moral. Se discutíssemos sobre ele, certamente levaríamos a cabo uma discussão com teor vago, suprassensível, inútil sobremaneira. Neste post discute-se sobre o falso moralismo no sentido — talvez absolutamente distorcido — da hipocrisia que, comum, passa a fazer parte de discursos dos que pregam, e somente pregam, situação e comportamento ideais.

Deparei-me nas últimas horas com comentários, como esse e esse, que contrariam o sentimento eternamente pseudopatriota do brasileiro de apoio à escolha do Rio de Janeiro como sede olímpica em 2016. Dentre outros, acalorados escritores, blogueiros e aspirantes a economistas críticos abordam temas como corrupção, legado, violência e miséria. Colocam-se os mesmos como contrários à aprovação do Brasil porque, em suma, gostariam que o dinheiro fosse investido em melhorias sociais.

Também, deparei-me nos últimos meses com indivíduos que, sob os efeitos de uma ou outra religião, preconizam a defesa à verdade, aos valores da família, ao respeito, à humildade e ao sentimento consciente de submissão que os relacionam ao Criador. Não há situação em que D’us não está de olho e, para eles, todos, em valores absolutos, deveriam serguir à risca as palavras Dele em prol de um mundo mais pleno, puro e sem mentiras.

Na mais ácida ironia, que lindos são os indivíduos patriotas e religiosos que tanto o bem desejam para os seus e a assolada sociedade brasileira, não? (…) Seriam os patriotas, repletos de sentimentos pró-sociedade, capazes de prestar auxílio, ainda que com valores milhares de vezes menores que os 28 bilhões a serem investidos nas Olimpíadas, àqueles que mais necessitam? Seriam os religiosos, desditosos em relação às mentiras e aos prazeres mundanos, capazes de seguir à risca a Palavra que apregoam?

Ah, vá plantar o pé, não pega no meu batata!

A Regra de Ouro

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Ontem, quarta-feira, 16 de setembro de 2009, foi  um dia cinzento. Não somente nublado, mas do tipo que merece ser apagado do calendário e da memória. Nada demais ocorreu, mas o dia não foi bom, ponto final. Todos, acredito, vivemos dias como este.

Há alguns anos (anos!) eu me deparei na Revista Exame com uma reportagem interessante. Lembrei-me ontem. Nela, jornalistas faziam uma só pergunta aos vinte empresários mais renomados e bem-sucedidos do país: qual é a sua regra de ouro? O objetivo era elaborar uma espécie de cartilha onde pudessem sintetizar os pensamentos que orientavam (e ainda orientam) as ações desses executivos.

Uma das regras, em especial, chamou minha atenção. David Feffer, até então presidente da Suzano Holding, respondeu aos jornalistas que sua regra de ouro era não se desesperar por causa de um dia ruim. Segundo o empresário, quando os resultados vão mal o ânimo comumente cai ao passo que, em momentos de euforia como esses, tomar uma decisão apressada pode levar o indivíduo a cair num abismo. Para Feffer, todo dia chega ao fim e, se as coisas não vão bem, basta manter a calma e o amanhã será sempre diferente; “você simplesmente dorme e levanta com nova energia para resolver as coisas”.

♪ Adeus, Dia Velho! Feliz Dia Novo! Que tudo se realize no dia que vai nascer. ♫

Melhor seguir a regra, não? Boa noite.