Então aquela pessoa andrógina que mais se parecia com uma mulher bem estranha, decerto em meio a um cruzamento porque vendia, ali, seu corpo nada esguio em troca de 10 ou 15 reais a hora, mandou-me um beijo. Eu voltava para casa depois de um jantar com Diana e pensava, na ocasião, num plano para a finalização do business plan da GQuest, minha próxima empresa. Assustei-me com aquela cena profana, confesso, mas me assustaria mais ainda se passasse, como se houvesse tempo, a analisar cuidadosamente cada um dos seres humanos estranhos com os quais me deparo a cada dia, análise tal que indubitavelmente se aplicaria também a mim.
A andrógina usava calça e uma blusinha, ambas fabricadas com uma espécie de tecido brilhante, bem justas, tinha barriga sobressalente ao ponto em que uma cirurgia de redução de estômago cairia como uma luva, o rosto parecia repleto de produtos químicos plásticos injetados manualmente via seringa desesterilizada e o jeito de andar, coitada, transformava aquela estrutura óssea numa geringonça que, vista de longe, sem demagogia, muito se parecia com mais um automóvel aguardando o verde do sinaleiro. Lamentável. Estranho.
Aliás, quem disse que para ser estranho o indivíduo precisa se parecer com a tal andrógina? Bem como a muitos outros tipos, a situação lamentável se aplica também aos céticos, os seres (em minha opinião) mais estranhos do mundo.
Detesto gente cética. Detesto mesmo. Esse tipo teima em dizer, sem fundamento algum, seja o tal fundamento teórico ou não, que o que se espera não vai se concretizar; que o que se espera não será conforme as expectativas. Expressa-se de modo tão torto que, muitas vezes sem querer — afinal de contas, o ceticismo faz parte de sua realidade percebida — , o cético transmite uma estranheza como não se vê comumente por aí sequer em indivíduos anômalos. “Ah, não sei”, “Não”, “Acho que isso não dá certo”, “Sei lá, viu?”, “Pare de inventar, no Brasil essa ideia não funciona, não vinga”, … (…) Experimente analisar cuidadosamente cada um dos seres humanos estranhos com os quais se depara a cada dia, análise tal que indubitavelmente deve se aplicar também a mim, e verá o quanto você encontrará desse tipinho.
Com todo aquele volume a andrógina era tudo, menos cética. Otimista, estava à noite vagando pelas ruas, tentando vender aquela scania para o primeiro insano que aparecesse e apreciasse. Tentou-me, em vão, com um aceno. Haja otimismo, não? E de pensar que os céticos, dos playboys às patricinhas, estão por aí crendo que nada dá certo, que nada dará certo.