Para não esquecer


Clarice Lispector


Diria Lispector: ainda que, por obra do acaso, o danado não saiba sequer por onde começar ou sobre o que vai escrever, é por meio de uma força bem maior que o escritor escreve. Pois preciso escrever, ponto.

Upside down. E nessa de viver uma nova experiência dia-a-dia, coitado, acabei por me deparar com muitas delas nos últimos quarenta e dois. A vida de cabeça para baixo e, para sintetizar – exatamente como acontece numa redação, trabalho científico ou mesmo num bom texto em que a conclusão retoma a ideia principal e resume as saliências de determinado conteúdo –, a exposição dos acontecimentos da última noite talvez seja, por si, bastante suficiente (…) e (quer saber?) talvez o seja porque, muito embora do tipo memória-fraca, eu vivi experiências nesta última noite que representaram bem a atual fase de minha vida. Remeteram-me à amizade, às pequenas coisas que muito valem, ao amor à moda antiga, à pureza de uma criança, às responsabilidades do adulto e, sobretudo, ao próspero futuro que me espera. Decerto ficarão bem guardadinhas na mente, lá no meu universo criativo.

Nesta última noite eu reconheci, em sentido literal, do conhecer de novo, amizades puras, gratuitas, gostosas de viver. (…) No carro novo, nova conquista, eu conversei sobre amor, falei sobre simplicidade, sorri com o coração e gargalhei olhando para o céu. Fui a um restaurante que me fez lembrar os bons tempos da juventude. Então comi um lanchão com garfo e faca, etiqueta-zero, como se ninguém estivesse vendo. Lembrei-me dos 10; entrei no banheiro das mulheres sem querer e tomei um baita susto. Derrubei metade de um copo com refrigerante na amiga que falava ao telefone; molhou a mesa e a perna. Alguns guardanapos e voltei a gargalhar. Não, não fiz xixi nas calças. E sobre o trabalho também conversei, fato comum. Ah! No carro E no restaurante, sentei ao lado de uma menina linda. Senti-me como criança novamente, pois nunca soube como agir nessas horas. Fiquei nervoso ‘pra danar! E fiquei ainda mais nervoso quando ela me abraçou por dois instantes: o primeiro por um motivo que não me lembro muito bem e o segundo porque eu a deixei guiar meu carrinho novo. Aliás, foi justamente guiando o tal carrinho novo que eu barbeirei por todo o percurso, entrei numa contramão, errei o caminho ao voltar e fiz uma manobra proibida para entrar nos eixos. Então, quando entrei nos eixos, levei as amigas e (pumba!) elas me deixaram ali no carro, sozinho, com a menina linda. Aí, bobo de tudo, preenchi o silêncio com um assunto qualquer, respirei fundo e fui até a casa dela, momento em que ganhei o terceiro abraço, esse um pouco mais tímido, e elas se foram – a menina linda e a noite. Enfim, mezza-férias, quinta-feira e um conto para toda a vida.

Eu não sabia sequer por onde começar, mas precisava escrever. E pela descoberta da força bem maior, Clarice, um beijão para você onde quer que esteja. Smack!

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