A verdade sobre a Verdade

Vdd

A verdade é instável. Esteja ou não em contexto de valor, ela não existe num só ponto. Bem, pensando bem, talvez a única verdade pura seja a verdade pura não existe. Entender a verdade, portanto, exige que entendamos também alguns outros aspectos que a envolvem: quando no papel de antônimo da mentira, precisamos entender a conveniência; já quando no papel de uma suposta verdade pura, a diversidade de percepções.

Aí, fato infelizmente comum, eis que um crime brutal mais uma vez serve de exemplo. Hoje, em Salvador, após discutir feio com a mulher, um homem atirou a sobrinha de dez anos contra um ônibus que passava pela rua. Coitadinha, a pequena menina morreu. Já o criminoso, visivelmente embriagado, disse à polícia que não se lembrava do que fez. ‘Hm, daí o entendimento da conveniência. (…) E digo pois é claramente conveniente, safado, principalmente quando se pensa sob a condição de quem está prestes a apodrecer na cadeia, dizer aos outros que não se lembra da verdade, não é mesmo? Ah, e por que não criar uma nova verdade? Subjulga-se, assim, um novo fato, o dito atropelamento é sobreposto pela embriaguez do caboclo e, exceto no raro caso em que tal brutalidade é flagrada por câmeras ou testemunhas realmente imparciais, o acontecimento translucida, torna-se embaçado aos olhos de quem tenta enxergar a pura verdade, e, por fim, sucumbe. Filho de uma rapariga. (…) Maridos infiéis, profissionais de fachada, invejosos enrustidos e puxa-sacos são somente alguns exemplos de pessoas que se utilizam da conveniência para mascarar e minimizar os impactos negativos dos verdadeiros fatos e sentimentos. Esconde-se a verdade à sombra da conveniência, o que descaracteriza a pura verdade e a desestabiliza. Vivem dessa instabilidade, por sinal, os advogados.

Mas tal instabilidade da verdade não é atribuída somente à conveniência. Entender a verdade também depende do entendimento dos diversos pontos de vista possíveis e que se referem a ela. O bom para você, por exemplo, pode não ser bom para mim. É bonita para você? Não necessariamente será para mim. Ah, e se todo produto fosse bem sucedido na mesma proporção em que seu inventor se empolga com tal invenção, empresas não faliriam. Daí o entendimento da diversidade de percepções. (…) Neste exemplo, a verdade não está naquilo que o inventor diz, mas na percepção do cliente sobre a invenção. Assim, ainda que o inventor classifique o produto como verdadeiramente bom, é a percepção do cliente que consolidará (ou não) sua venda; ou seja, se o cliente realmente não perceber o produto como bom, a suposta agradabilidade do produto, antes sugerida por seu próprio inventor, passa a ser uma inverdade (assim como inverídica seria, agora sob a opinião do inventor, a percepção do cliente sobre sua invenção). (…) O processo acontece com a mulher bonita que se casa com o homem feio, o pobre que vê uma luz no fim do túnel e a fofoqueira de janela, provável fundadora da rádio-peão no Brasil, que percebe as verdades da vida à sua moda, do seu jeitinho. Vivem disso os galanteadores.

A verdade pura é uma utopia e dizer a verdade na terra dos seres humanos sempre estará à mercê de dois vieses: (1) o da conveniência — quando o bendito amedrontado mascara o fato verídico e embaça a visão da realidade, criando outras verdades — e (2) o da percepção — quando o que se percebe sobre a verdade se distorce por conta das peculiaridades individuais, condição que gera uma diversidade quase infinita de realidades e opções.

Afinal, qual é a verdade sobre a verdade?
Deus, diz o Antigo Testamento, é fonte de toda a Verdade. Só Ele. Talvez seja isso.

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