Sofia Girarde. Ou Sofia Alguma-coisa Girarde. Sobretudo, Sofia. Metade disto é dela, para ela: minha filha. Ela não existe e há no mundo às centenas as pessoas que já me disseram ser idealismo demais; afinal, dizem, se pararmos para pensar, o amanhã na verdade não há. Ainda, concordo, realmente não há, digo o amanhã tampouco Sofia, mas há de existir, se Deus assim o fizer, o amanhã em que ela nascerá. E decerto, filha, — és esta a primeira oração escrita por mim a ti — será o dia mais feliz de minha vida.
Abre pensamento. Com um vestido daqueles que só as mães de bom gosto sabem comprar, branco nos detalhes, bem limpo e que deixa a criança bastante livre, a pequena criança anda pelo parque a brincar. Corre às custas do desespero da mãe. Filha! Pare de correr! Esbarra num, faz o ciclista desviar, segue correndo em direção ao lago enquanto o volume dos gritos da mãe diminuem gradativamente. Com cabelos escuros ondulados e menos esvoaçantes por conta de uma tiara, a maquiagem maleporcamente auto-aplicada, tímidas gotículas de suor sobre a testa e a feição típica das crianças felizes, ela se diverte. Sacode a água, assopra uma dente-de-leão — aquelas flores brancas repletas de sementes que voam pelos ares —, arremessa pedras na placa de aço e enjoa da brincadeira. Corre para outras com a cabeça ali, não noutro lugar. Porque, para crianças, exceto pelo medo do escuro, do ficar-sozinho, das polícias e dos assustadores monstros do imaginário, as preocupações do mundo não as impedem de se divertir e viver bem à mais perfeita toa. Elas correm de modo inconsequente, brincam como em nenhuma outra época da vida; dançam, pulam, falam alto e pouco se importam com o teor das conversas, contanto que sejam verdadeiras. Têm a imaginação fértil, fantasiosa, mágica. Ufa! E depois de todo um dia, já cansada, a garotinha chega em casa, brinca mais um pouco com os pais, gargalha, depois chora, mas vai ao banho a contragosto. Ali, n’água, esquece e diverte-se mais um pouco; afinal, quem não se derreteria de tanto brincar numa dessas banheiras para criancinhas? Por fim, deita-se em roupas leves sob a penumbra de um quarto único, com o cheiro e brinquedos só dela. Dormiu a que vive no mundo das crianças e embeleza toda uma família. É protagonista, é filha, professora e mestre em fazer com que os adultos se embasbaquem de felicidade. É feliz. Fecha pensamento.
Talvez, Sofia, este texto bobo, que reflete um pouco do que me vem à mente quando penso em ti, não refletirá o que tu serás quando estiver por aqui. Puro idealismo. Ou refletirá, sabe-se lá. É que, confesso, a cada vez que vejo uma pequena garota com feições como as minhas, penso em ti, em como podes ser quando nascer. […] Importante, porém, além de meus vãos idealismos, é que por você já estou por aqui há 31 anos, mais precisamente. Sim, estou neste mundo — que à sua época certamente será muito mais belo do que este no qual vivo — e tenho a certeza de que, aqui, brincaremos aos montes.
Espero-te, filha.