Tia Tereza


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Tia Tereza entoava canções de ninar quando eu não dormia ou me sentia estressado. Enquanto criança, diz minha mãe, eu não era do tipo que dormia fácil ou relaxava. E Tia Tereza, paciente, voz suave, era a única que conseguia me fazer adormecer.

Tia Tereza morreu. Morreu hoje, logo cedo, enquanto minha mãe e eu estávamos no shopping. E eu estava feliz porque, apesar do frenesi da Semana do Jovem Empreendedor, havia separado algumas horinhas para nós – mamãe e eu. Foi no shopping, inclusive, que recebi o telefonema. Foi no shopping que ficou a primeira lágrima pela morte de Tia Tereza, também a primeira do dia.

Hoje não pude visitar Tia Tereza.

Nos últimos anos, enquanto Tia Tereza sofria com os sintomas que culminaram em sua morte, não a visitei. Descaso tanto que, confesso, ½ das lágrimas expelidas por mim no dia foram decorrentes da morte, outro ¼ pelo sentido de culpa por não visitá-la durante todo esse tempo e o restante das lágrimas por outro – e não menos relacionado – motivo: Rosana Hermann.

O último final de semana de outubro é comumente o período no qual mais trabalho desde quando ingressei na Faculdade ESPA. No período, conhecido como Semana do Jovem Empreendedor, costumo organizar eventos para disseminar a cultura empreendedora em Guarulhos, cidade onde moro. Neste ano, dentre outros, convidei Bob Wollheim e Rosana Hermann que, simpáticos, aceitaram o convite e, no mesmo dia em que Tia Tereza nos deixou, palestraram.

Quando chegou, Rosana me abraçou e disse que guardava uma surpresa. Falou sobre agilidade mental e as formas por meio das quais os seres humanos pensam e aprendem. Rosana, ao invés de replicar ao público do auditório a já conhecida palestra com milhares de acessos na internet, mudou. Ao fim, cantou o hino de Guarulhos em homenagem à cidade que lhe abrigou quando era criança e também em homenagem a mim, como havia prometido.

Ouvi o hino, senti-me como uma criança. A criança que, diz minha mãe, não era do tipo que dormia fácil ou relaxava. Senti-me como na época em que minha mãe, já impaciente, me jogava aos braços da mulher que, paciente, voz suave, era a única que conseguia me fazer adormecer.

Revisitei a saudosa época em que dormia profundamente bem nos braços de Tia Tereza e suas canções de ninar.


Ensaio sobre a liberdade


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Trabalho como professor universitário. Aos 15, ainda adolescente, não me passava pela cabeça que seria, aos 28, um desses. Até aí, nada de anormal. Anormal, porém, talvez seja o fato de que sempre, desde que me conheço, fui avesso ao sistema educacional. Como professor universitário, por obediência às normas, aplico provas, avalio alunos e responsabilizo-me pela aprovação ou reprovação nas disciplinas em que leciono. Como professor universitário, não poderia ser diferente, gostaria que os alunos fossem mais livres. E livres porque, afinal de contas, no momento em que escolhem um dentre os ramos de atuação disponíveis por aí, os alunos já estão disputando espaço e, caso não estejam a fim, que arquem com as consequências (se é que haverá).

O problema da falta de liberdade, porém, não se restringe aos meus profundos desejos de alterar o sistema educacional e as resultantes decorrentes de sua ausência; a liberdade, quando em excesso, também pode gerar problemas. Se tal ausência provoca situações em que o indivíduo se sente desmotivado e afônico ao imaginar mudanças, o exagero promove, na mesma proporção, reivindicações em excesso, democracia em níveis absolutos (…) e nessa condição, livre, o bendito indivíduo passa a achar que pode fazer tudo. Para ilustrar, basta relembrar os casos comuns de funcionários que, justamente por serem livres demais, fazem o que bem entendem, os casos dos jogadores que tiram o cartão amarelo das mãos do árbitro e o adverte ou, um exemplo mais familiar, o quão raros são os relacionamentos nos quais muita liberdade não é motivo para desavenças.

Falando em relacionamentos, neles a liberdade e a confiança andam de mãos dadas; isso porque quando a liberdade está nas pontas de um gráfico de crescimento (carente ou em excesso), há indícios de que a confiança, por sua vez, não está em grau sequer aceitável. Por um lado, o da carência, comuns são as situações em que a liberdade é buscada. Por outro, o do excesso, desconfia-se do indivíduo que se aproveita da liberdade que tem. Creio, por tudo, que essa conexão entre liberdade e confiança seja um dos principais motivos que impulsionam tomadas de decisões erradas no amor e, por consequência, afogam casais que poderiam dar certo.

Como professor universitário, ainda assim, não há em mim qualquer fundamento teórico que seja capaz de comprovar o que escrevo. Há, porém, uma vontade tremenda de alterar em 0,001% o sistema educacional no qual estamos inseridos, de diminuir a liberdade que me torna um líder humano demais, de estar vivo para ver jogadores sendo expulsos quando acharem que podem fazer qualquer coisa num campo de futebol e, acima de tudo, de encontrar o equilíbrio num relacionamento que — o meu maior sonho — seja eterno.


Você sabia?

Ricardo Jordão, da BizRevolution, costuma encontrar uns materiais de bom gosto na internet. Encontrou mais um.

Atualização oficial para o original Shift Happens, esta versão inclui fatos e estatísticas sobre a evolução das mídias e a nova realidade decorrente dela, incluindo a convergência e a tecnologia. Além disso, o vídeo — que foi desenvolvido em parceria com a The Economist — é de uma qualidade sem igual. Altamente recomendado.


Estômago para Empreender

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Ao contrário do que muitos imaginam, tenho ressalvas no que diz respeito à construção de planos de negócios para a abertura de uma pequena empresa. Também não sou do tipo que define empreendedor como aquele se supera, atrelando a sua imagem à da já banalizada motivação. Acredito, sim, que o empreendedor pode catalisar (e somente catalisar) o processo empreendedor ao desenvolver planos de negócios e que, para empreender, ele necessariamente supera obstáculos, esquivando-se das zonas de conforto. Tais condições, porém, sob meu ponto de vista, não são pré-requisitos para a definição do termo e para o exercício do empreendedorismo, mas, assim como a formação acadêmica, são importantes ferramentas. A título de ilustração, visite a biografia de alguns agentes da destruição criativa do mundo moderno, e.g. Richard Branson, Herb Kelleher e Ratan Tata.

Conforme os estudos realizados no Núcleo de Pesquisas em Empreendedorismo (NuPE) da Faculdade ESPA, onde atuo como professor-orientador, empreendedor é o indivíduo que se utiliza de algumas características comportamentais distintas para atuar como agente da transformação socioeconômica. Em suma, muitas vezes ele sobrevive sem a formalização de planos de negócios, mas todos (ou quase todos) os empreendedores se superam ao alterar, de uma forma ou de outra, com práticas motivacionais ou não, as suas realidades.

Hoje, em sala de aula, meus alunos e eu discutimos justamente sobre a situação em que o indivíduo, prestes a iniciar suas atividades empresariais, precisa se superar. Já não atrelamos o empreendedorismo somente à motivação humana e, baseados na discussão proposta por Jacques Marcovitch em seus livros, conversamos sobre a distância que existe entre a oportunidade e a iniciativa (apesar de ambas estarem dispostas na mesma característica do comportamento empreendedor). Nesse sentido, se por um lado vislumbrar oportunidades é fácil, por outro colocá-las em prática não está entre as tarefas mais amigáveis. Haja superação!

Deparei-me, somente na última semana, com situações exemplares. Em uma delas o aspirante — até então defensor taxativo do “pare de falar, comece a fazer” — se sentia amedrontado porque sair do ambiente corporativo e empreender se tornava iminente em sua vida. Em outra, um aluno se desestimulou ao simplesmente imaginar o processo necessário para a transformação de uma ideia em realidade. Na terceira, o grupo de trabalho “fazia” de qualquer jeito, desconsiderando uma verdade às vezes dolorosa: fazer não se equipara a fazer de qualquer jeito. E levando em conta que falar de si gera apatia, não exporei aqui as minhas experiências em casos do tipo.

Enfim, catalisar o processo empreendedor por meio da construção de um plano de negócios, superar obstáculos para a realização de sonhos e empreender é ideal, ou melhor, fora da reta, mas eu garanto: precisa ter estômago.

Empreendedores Verdes Fritos

microempreendedor


Adoro a nova Lei do Microempreendedor. Num ambiente de negócios como o brasileiro, tal opção se mostra absolutamente eficaz na luta contra os sonegadores. Pensando bem, eficaz contra os sonegadores, mas não contra a necessidade (a necessidade!) de empreender e de realmente transformar empreendedores em buscadores de oportunidades.

Baseados na consecução dos benefícios oferecidos pelo Governo, quase 11 mil microempreendedores já se formalizaram em todo o Brasil. Desde 24 de julho — dia em que a lei passou a vigorar no estado — somente em São Paulo foram aproximadamente 3,2 mil indivíduos que optaram por deixar a informalidade de lado para prestar contas e trabalhar formalmente. Os benefícios incluem salário-maternidade, auxílio-doença, aposentadoria por idade, por invalidez, auxílio-reclusão ou, em caso de morte, pensão.

É realmente interessante saber que, com toda essa adesão, os níveis de informalidade no Brasil diminuíram? Sim, é uma pergunta. Digo porque, com as contas feitas, o módico valor mensal a ser pago pelos microempreendedores (cerca de $60) retrai a informalidade, mas também estimula a criação de novos negócios por necessidade (ao invés de baseados em oportunidades).

Longe de considerar tal lei inoportuna, gosto muito da iniciativa. Preocupa-me, porém, o fato de que, para competir com força, alguns elementos básicos da administração são necessários e assolam até os que se julgam mais preparados. No caso, o problema evidente é que, em virtude dos benefícios, o microempreendedor se vê num ambiente menos hostil, mais (literalmente) legal e se inscreve sem ao menos formular a identidade ou identificar uma oportunidade de negócio. Enxerga, o microempreendedor, a possibilidade de sair da pindaíba com a inscrição e ainda poder vislumbrar sua aposentaria. Interessante, não é? A atitude, porém, apesar de louvável, é tenuemente perigosa.

Perigo #1: os benefícios

Exceto pelos assessores do SEBRAE e pela ausência de taxas, as vantagens de se inscrever apresentadas aqui são puramente condicionais. Em suma, o microempreendedor recebe o benefício somente se houver alguma ocorrência (em caso de acidentes, doenças, aposentadoria, …) ou quando sua situação for bastante restritiva (obrigatoriedade de ter somente um empregado). Reparem que os benefícios, no caso, muito embora sejam bastante atraentes para os que realmente precisam, têm o papel de isca ao invés de servir como mola propulsora para o alcance do sucesso nos negócios; afinal, dão o peixe e não ensinam a pescar.

Além do mais, menos burocracia, assessoria e taxas menores são algumas vantagens apresentadas pela lei. Oram, vejam só! Isso tudo é vantagem ou deveria ser pré-requisito, status quo? Passa, repassa ou paga?

Perigo #2: a necessidade

Não é sequer contemporânea a polêmica sobre as divergências entre o empreendedorismo por necessidade e por oportunidade. No Brasil, apesar dos jovens serem mais atrelados à segunda categoria, temos a predominância da primeira. Assim, com a grande maioria precisando empreender, quase 90% dos novos negócios fecham suas portinholas antes mesmo do quinto ano de atividade. E fecham porque, independente da oferta de benefícios, os indivíduos simplesmente não estão e não são preparados para empreender à medida que começam a competir.

Perigo #3: a falta de informação

Impressiona-me o fato de que as inscrições sejam feitas somente pela internet; acho bom, mas nem todos devem pensar como eu. O açougueiro muitas vezes tem um computadorzinho conectado à internet na beira do balcão, perto do corte de filet, mas e o encanador, o barraqueiro e o vendedor ambulante de sorvetes? Será que todos têm acesso à internet e, mais, sabem da existência da lei? Para responder, não se esqueça da pesquisa de abril deste ano realizada pelo CEPAL: 1,7% dos lares brasileiros classificados como pobres são conectados à rede mundial de computadores (isso significa que a cada 100 pobres, 2 têm computadores capazes de acessar este blogue).

O perigo citado aqui, entretanto, não está relacionado somente às informações disponíveis na internet sobre a lei, mas ao fato de que, para empreender, o indivíduo precisa de assessoria (principalmente quando seu nível de escolaridade é baixo).

Perigo #4: a dependência

Dentre os benefícios apresentados pela lei, o único que se relaciona à formação do microempreendedor refere-se à assessoria prestada pelo SEBRAE no início das atividades, o que eleva a importância da entidade em todo o processo.

Para quem não conhece, o SEBRAE abre suas portas todo o santo dia para aqueles que se interessam por seus serviços. Há cursos, consultoria gratuita e, para os verdadeiramente dedicados, também o Empretec. O perigo, nesse caso, é que a dependência do SEBRAE obriga, para a obtenção das informações necessárias, o microempreendedor a ir até um escritório regional sem quaisquer orientações. Muitas vezes (que tristeza!), o indivíduo nem sabe o que é o SEBRAE, (…) mas quer os benditos benefícios.

Por tudo, gosto da metodologia SEBRAE até certo ponto. Ao invés de reativos, de tão importantes eu preferiria que fossem mais ativos.

(…)

Para empreender, atitude, precaução e educação.

Educação Empreendedora é o que há! =)