Persona non grata

 

 

3 horas da manhã, madrugada de segunda-feira. Sem ninguém por perto, sequer o pirríu do guardinha, o rapaz sobe num poste ainda sonolento e, dali, 4 metros de altura e correndo grande risco de se esturricar no chão, estica um fio que se conecta ilegalmente a um adaptador dependurado sobre o telhado de sua casa. Plim! Plim! Agora a família tem TV a cabo à vontade para todos os aparelhos de TV da casa. E o melhor: com todos os canais, inclusive os adultos, sem custo algum. Com tudo em riba, tomou um banho e aproveitou para sair mais cedo, uma vez que o trânsito nas cidades se dá em função da quantidade de automóveis que saem juntos de casa, na mesmíssima hora, e não necessariamente em função da falta de infraestrutura viária. Às 5h00, ainda sob a luz da lua, mas já em direção à faculdade, o jovem universitário, futuro filósofo, depara-se com uma blitz. Passa um carro, passa outro, a visão é ofuscada por um feixe de luz que sai da lanterna de um policial, que o manda parar. Putz! O jovem não pagou o IPVA e, por conta disso, não conseguiu licenciar o carro. Mas a gente dá um jeito. Conversa vai, conversa vem e, dez minutinhos depois, o policial quer liberá-lo; afinal, não era exatamente um rapaz sem lenço e sem documentos o quê ele procurava por ali. Você me ajuda que eu te ajudo! Então, bastaram 50$ — uma onça — para que pudesse sair dali impune. Vamos, enfim, aos estudos. À frente, uma motocicleta ultrapassa o farol vermelho como se, somente por ser da polícia, pudesse fazê-lo. Sobre o banco do carro do jovem, já em movimento, o jornal do dia alertava a população: o prefeito nada faz pela educação na cidade. Mas faz. A verdade é que o jornal — pouca gente sabe — tem fortes ligações com o candidato da oposição e obriga-se, por receber mensalidades do partido, a banhar a mente da população com notícias fedorentas sobre o partido que detém o poder. Coisas que o dinheiro faz. Às 7h20, os amigos da sala já estão reunidos na padaria. Um na chapa e um pingado! Na TV sobre a geladeira de refrigerantes da Pepsi — e somente Pepsi —, o noticiário da manhã, para todo Brasil, mostra a figura de um político. Desviou 5 milhões dos cofres públicos! Oh! Que vergonha! Virou assunto. Então, num papo que se estendeu à sala de aula, os jovens filósofos passaram a clamar por justiça.

Sempre atribuo ao povo a culpa pela atual condição política brasileira. O povo tem o que merece, o povo tem o que põe na urna. Decerto pode haver manipulação nos resultados das eleições, mas, exceto por essa suposta condição, temos nas câmaras e nas cadeiras de prefeitos, governadores e no poder executivo federal um bando de gente posta lá pelo povo. É gente do povo, como se diz, que representa exatamente o que queremos na hora em que votamos. […] Na prática, creio que a mudança está no povo, não nos políticos. Porque enquanto darmos o gato em tudo, no maior estilo jeitinho-brasileiro-de-ser, vamos seguir assim. Enquanto passarmos no farol vermelho enquanto ninguém vê, continuaremos assim. Enquanto subornarmos o guarda de trânsito, assim. Enquanto sonegarmos impostos, assim seremos. Enquanto agirmos injustamente em troca de favores e dinheiro, diria Chaves, tampouco. Enquanto, assim sendo, votarmos, assim seremos. […] Porque — eu realmente acredito — aqueles que nos representam nada mais são do que um reflexo do que somos como povo brasileiro. E como povo brasileiro, convenhamos, somos espertinhos, desobedientes, malandros, malcriados e bastante preguiçosos.

Sanear a corrupção começa conosco. Sanear a corrupção começa no voto, começa na cabeça de um povo. […] Patriotismo puro, aquele do verdadeiro amor pela bandeira: é nisso que acredito.

Brasil-sil!

Nem Chapolin

 

 

Um indivíduo pode ter grave doença ou ser atropelado por um carro em alta velocidade e, assim, será a vítima. Ok. Outro pode se colocar como vítima sem mesmo sofrer, de fato, algo que o pudesse classificá-lo como tal. Entre um e outro, gritante diferença. Aqui, excluamos da reflexão as vítimas de fato, tais como as que sofreram algum mal súbito ou acidente automotivo. Consideremos somente aquelas que, por uma ou outra infundada razão, classificam-se como vítimas de direito, ou seja, pessoas que se [auto]posicionam — porque creem que têm direito — como vítimas da vida, das coisas, das condições, dos outros. Reflitamos somente sobre o fraco tipo de pessoa que atribui o próprio desempenho na busca pela plenitude à ação de outras coisas e pessoas sobre ela — não a uma ação dela própria sobre outras coisas e pessoas —, permitindo que o impacto do ambiente externo na vida seja mais forte do que o impacto de suas próprias decisões. […] Em suma, vítimas de direito são pessoas caracterizadas por relações de dependência quase doentia e, sobretudo, por um injusto sentimento de justiça atrelada a uma não-culpa. É a sofrida gente que se faz de vítima.

Abro citação. As pessoas estão tão diferentes atualmente que, sentindo-me só, raramente me interesso por alguém. Sofro porque meus amigos não aprendem o que a vida tem a nos ensinar. Eu sou bastante humilde, faço as coisas da melhor forma, mas certas pessoas não fazem o mesmo e isso não está correto. Minhas sofridas condições psicológicas existem em função da má relação que meu chefe — geralmente muito agressivo — tem comigo. Não me dou bem com parte de minha família porque muitos ali não me entendem. Resolvi me isolar porque não creio que exista amizade verdadeira ou mesmo o amor verdadeiro no mundo. Tenho vontade de chorar quando percebo que as coisas, antes muito bacanas, mudaram tanto — e para pior. Prefiro sofrer calado a falar o que realmente desejo falar. Aliás, pensando bem, pouca gente ouve o que eu tenho para falar. Trabalho muito, esforço-me além da conta e sou pouco reconhecido. Nem meus finais de semana são bons o suficiente. Ninguém me ama, ninguém me quer. Não fecho citação. […] E o jogo da vitimização segue infinitamente às frases mais surpreendentes, assim como surpreendente é o fato de não haver [auto]culpa nisso tudo sob a ótica da tal vítima.

Há, inclusive, o que parece ser um processo lógico traçado por vítimas de direito para resolver o problema da culpa. Num primeiro momento, entoada sob diversas formas — ou até postada na internet —, coitadinho de mim! é a frase  mais comumente utilizada nas situações em que o apoio é necessário. Então, os entes mais próximos [por vezes outras vítimas de direito] sentem e passam a apoiar mais por uma espécie alternativa de responsabilidade social do que por vontade verdadeira. A vida passa a duras penas, a vítima de direito é vista como vítima de fato e então, quando percebe o apoio de outras pessoas, deixa que o sentimento de culpa vá embora por pura conveniência. Ali, é como se todo o contexto desfavorável se transformasse numa decorrência natural do comportamento ou ato de outro, não do próprio ato ou comportamento. Ufa, a culpa não é minha! Sou vítima!

Sob meu ponto de vista, a culpa pelo fracasso ou sucesso é sempre de quem o vive, não de outro. A vítima de direito fez algo ou colocou-se propositalmente ali, fraca, a reclamar da situação construída por si mesma porque quis, porque não foi capaz ou por outra porcaria qualquer que tenha feito. É como se não conseguisse se [auto]explicar ou realizar o suficiente e, sob pressão, pusesse noutro ser humano ou coisa a culpa pelos próprios infortúnios e fracassos. Oh! E agora quem poderá me defender? Pois quem poderá defendê-la de tamanha injustiça e tamanho sofrimento é VOCÊ, dona vítima, e mais ninguém! Ou, de repente, somente para que a história se eleve ao tom do humor, chamemos o Chapolin Colorado, que tal? Aí sim, quem poderá lhe defender?

Eu!

Sobre a hipocrisia

 

 

Fingir que é, mas não ser. Ser essencialmente feio — no amplo sentido do termo —, mas colocar-se à frente como se as próprias ações e os aspectos físicos fossem belos o suficiente, tão belos!, ao ponto da própria imagem beirar a perfeição. Uma espécie não-rara de idealismo que permeia as relações de hoje; uma reviravolta na forma, o que não é em é — a hipocrisia.

Hipócrita é o tipo que, mesmo após um banho quente de 45 minutos, defende o uso de sacolinhas plásticas biodegradáveis porque o meio ambiente está em colapso. O tipo que cultua culturas alternativas porque se diz multicultural, cult e [?] não gosta de ler. É o tipo que se mostra responsável socialmente, mas que, voluntariamente, nada faz ou já fez em favor de outro. É o tipo que brada contra a corrupção, mas está disposto a negociar com um policial rodoviário no caso em que não estiver com a documentação do carro em dia. Critica Justin Bieber, mas canta Baby numa boa. O tipo que não vive dias ruins, que nunca frequenta lugares ruins e está sempre sorrindo, em bons lençois. É a garota que, essencialmente piriguete, critica as piri-piri-piriguetes assumidas. Ou mesmo o garoto que, fundamentalmente macho, nega o seu lado sensível. É o tipo que se diz patriota, regionalista, e vive a elogiar os states ao mesmo tempo em que critica aos punhados a terra-mãe. O quase-homem que, por um ou outro interesse, diz o que não diria ou é o que essencialmente não seria. O tipo que defende o seja-você-mesmo e, bem lá no fundo, nunca foi si próprio. Preconiza o trabalho, trabalha pouco; diz-se rico, ganha pouco; compartilha o amor, não ama; diz curtir o amigo, não gosta. Sorri amarelamente e apoia, muito a contragosto, uma ideia que não apoiaria. Acena e aperta a mão em função do protocolo, pois a cabeça noutro lugar, noutro assunto, não se atenta à pessoa. É o tipo que tenta viver de acordo com os princípios da moralidade social ainda que, na essência, seja um indivíduo imoral, libertino e desonesto. É não possuir, mas fingir que possui; não crer, mas fingir que crê; não sentir, mas fingir que sente; atuar, ‘malemá, no pior sentido do verbo. Hipócrita é o tipo que, como já diziam, “oculta a realidade atrás de uma máscara de aparência”; uma espécie não-rara de gente que faz do mundo, pobre mundo, um lugar um pouquinho mais mentiroso, oco, complicado de se viver.

Certa vez, lá pelas tantas de 1500, Montaigne usou uma figura ligada à justiça para ilustrar a hipocrisia. Escreveu que até um juiz seria capaz de rasgar um pedaço de papel para enviar um bilhete amoroso à mulher de um colega, danadinho, da mesma folha onde acabara de escrever a sentença de condenação de um adultério. E é isso que, no presente, vemos por aí: no que se expõe, um mundo de beleza, amor, fraternidade e solidariedade; na vida real, por outro lado, um bando de piriguetes, homens sensíveis, pessoas carentes, malandras, corruptas, pseudo-cults, malemolentes, boêmias, contas-no-vermelho, sorrisos-colgate e egoístas a vagar pelas ruas, pela internet, jogando latinhas de cerveja e bitucas de cigarro pela janelinha, postando fotos e textos como se seus perfis fossem ideais e o dia-a-dia estivesse às mil maravilhas. Ahvá.

Montaigne dizia ainda que comumente nos são sugeridos modelos de vida que sequer quem os propõe — tampouco seus auditores — têm esperança de seguir ou, pior, o desejo de os realizar. Por fim, citando-o quase que literalmente, “deixemos, sendo assim, que as leis e os preceitos sigam o seu caminho: nós tomamos outro, não só por desregramento de costumes, mas também frequentemente por termos opiniões e juízos que lhes são contrários“. Os ditames sociais supérfluos de um lado, nós do outro.

Tiremos as máscaras.

Sobre a morte

 

 

É certo: uma hora o coração pára. Pára o corpo, param mente e sistema. Silenciam-se. Fim. E a certeza de que a vida num instante existe e noutro se finda merece, por si só, uma reflexão. Não porque o refletir-sobre-a-morte seja ato agradável, mas porque, eu creio, ao evitar refletir sobre a morte nós deixamos de melhor vivenciar a vida. E ainda que — como dizia Epicuro há mais de 2400 anos — “não haja nada a temer na morte”, seu insabido momento não permite que nos programemos. Porque eu posso estar aqui, sentado a pensar, dormindo a sonhar, aprendendo a desenhar […] e de repente, sem mais, sequer um segundo a mais, não mais estar. Morrer. Simples assim.

Nascemos, somos criados, criamos e morremos. Entre um ponto e outro, a vida em cores [ler texto]. E às famílias que surgem entre esse ponto e outro, uma primeira dura certeza lógica: exceto nos raros casos em que todos morrem ao mesmo tempo — como, por exemplo, num acidente aéreo —, fatalmente o filho morrerá primeiro que o pai ou o pai, primeiro que o filho. Morrerá primeiro a mãe ou o filho a deixará neste mundo a chorar sua morte. Fato. Obviamente que se levarmos em conta o processo natural dos acontecimentos, é bem possível que boa parte das pessoas mais velhas morram antes que as mais novas, ou seja, provavelmente os atuais pais e avós já tenham falecido quando novos pais e novos avós surgirem. Nesse sentido, a dura reflexão traz à tona uma segunda certeza lógica, esta mais inebriante: a menos que a-da-foice já esteja prestes a bater em nossas portas e morramos antes que todos os outros, inevitavelmente veremos alguns de nossos entes queridos falecendo, mortos. Inevitavelmente — o que significa que não haverá outra saída —, também uma terceira certeza lógica: sofreremos com isso. E então, para ludibriar o sofrimento, sentiremos saudades, guardaremos as fotos, as lembranças, o cheiro, o toque, as manias, as frases de efeito e, se pudermos, trocaremos qualquer coisa por um minuto a mais com a falecida pessoa. Qualquer coisa em troca de um forte abraço a mais, um toque a mais, um beijo a mais, uma ligação a mais, um não a mais, uma repetição da mania que hoje ainda nos irrita. No fim, sonharemos com um tempinho a mais com aquela que, morta, nada mais pode porque não mais estará, não mais haverá. […] Mas se a lógica nos leva à conclusão de que inevitavelmente veremos alguns de nossos entes queridos falecendo, há de se considerar também algo em favor dos ainda-vivos: a conjugação do verbo no futuro — veremos. Isso significa — embora alguns já tenham partido e deixado seus legados — que muitos de nossos entes queridos ainda permanecem respirando, vivinhos da silva. E é bem provável, por exemplo, que alguns deles inclusive estejam conectados à internet neste exato momento ou mesmo dormindo, cozinhando, assistindo a programas patéticos na tv ou enchendo às bordas as paciências de outras pessoas por aí. Ainda estão vivos! […] E neste ponto a reflexão muda de figura.

Até então, três duras certezas lógicas: [1] exceto no caso em que partirmos juntos desta para uma melhor, eu morro antes ou antes morre você. Logo, [2] verei você morrer ou vice-versa. De qualquer modo, caso haja uma boa relação entre nós, [3] inevitavelmente sofreremos. Mas sofrer, neste caso, está conjugado no futuro e, posto que há o diálogo entre mim e você, estamos vivos. A coisa muda de figura porque, enquanto vivos, nada nos impede de matar saudades, registrar novas fotos, sentir o cheiro, o toque, de rir das manias e das frases de efeito. Nada impede um forte abraço a mais, um toque a mais, um beijo a mais, uma ligação a mais, um não a mais, uma conversa sobre a mania que irrita. Bem verdade, só a morte e a falta de consciência sobre as consequências da morte nos impedem de amar na plenitude. Na vida real, você está aí, eu estou aqui e também os nossos estão a respirar por aí.

Por fim, a certeza-mater é que uma hora o coração pára, volta ao nada. Enquanto bate, esforcemo-nos para minimizar o inevitável sofrimento das perdas no futuro. Porque hoje eu estou aqui, a escrever, sentado a refletir, mas de repente, sem mais, posso não mais estar. […] Hoje é pau, é pedra e, para todos nós, ainda não é o fim do caminho. O hoje ainda é, conjugado no presente.

Viva!

Marginália

 

 

Inspirei-me na imagem de um rapaz com fisionomia debilitada, encostado à porta do meu carro pedindo algumas moedas para uma refeição. Ele faz parte de um grande grupo e está na base de sua pirâmide, não às margens. Na verdade, muito pelo contrário, ele está bem longe das margens e é uma pessoa absolutamente comum numa sociedade redesenhada, chata, com a qual EU, sim!, me relaciono no papel de um marginal. Ao menos me esforço para tanto.

O repórter noticia: um garoto esfaqueou outro. Noutro canal — sobre assuntos consonantes —. seguidas de uma entrevista sensacionalista com a mãe do jovem assassino, as imagens chocantes de um engavetamento com vítimas fatais ocorrido pontualmente às seis da tarde numa rodovia movimentada que, justamente por conta do acidente, parecia ainda mais abarrotada pelo trânsito. Frases quase sem vírgula, também exceções: afinal, não é sempre que uma criança resolve ferir com uma faca e, dada a quantidade de carros no dia-a-dia, um acidente com morte é menos provável do que se pensa. (…) O pior: é justamente a audiência, ou seja, o interesse do povo, que justifica toda a carniçaria televisiva. A TV nunca expôs tanto sangue e tantas lágrimas. A sociedade — com a qual eu me relaciono no papel de marginal — quis assim.

Nas redes sociais, biquinhos e brilhos, falsos olhares e filtros. Tôdo mundo na internet é bonito, com acento circunflexo e tudo. Cidadania e responsabilidade socioambiental são expressões da moda. Adiciona ali, curte aqui, tira foto com efeito para dar um tapa na pantera, pensa antes de escrever. No fim das contas, compra pela internet, trabalha com a internet, coloca-a no bolso. Mundo virtual. Mas aí tem o tal do contato, a coisa da pele e o treco fica engraçado: a gente tem mil amigos nas redes sociais, porém na hora do vamos-ver, do tête-à-tête, engole a seco, olha torto, vira a cabeça para lá. Já não sabe mais para onde vai e, quando vai, se engancha numa cadeira de cinema, em frente a outra tela ainda maior e um balde de pipocas melequentas. O mundo já não quer saber de andar com as mãos dadas, deitar na grama do Ibirapuera ou passear sob os 22 Celsius de uma noite sem chuva, a gastar a sola do sapato. Na prática, a sociedade na forma em que está é fosca, em branco e preto, mas brilha muito nessa internet multicolorida. Restart.

Fora da web, na escola, o professor de tão desvalorizado substitui o sonho de ter filhos e uma dívida impagável por um par de cachorros com pedigree. Trata-os como criança. Com um apoio pífio, prepara-se pouco para exercer sua função e, à frente da sala, fala o que lhe vem à telha. O aluno, coitado, sai das redes sociais e senta lá, como fez Cláudia, fingindo que bem entende. Pensando bem, começou mal: ainda jovem, no auge das 6 da matina, a contragosto enfiou-se num uniforme mequetrefe para uma aula de logaritmo, um intervalo à base de croissant de presunto e queijo e outra hora-e-quarenta — ainda mais insensata — sobre cadeias de carbono. Foi à faculdade e o negócio piorou. Nada se encaixou à formação de verdadiniha. Aula vai, aula vem, aula foi, o aluno acabou fondo e o professor continua lá, anos e anos depois, lecionando no seu melhor estilo meia-boca, preocupado com filhos sob a forma de cachorros e as continhas apertadas ao fim do mês. (…) Educação de verdade, que é bom!, nada — ou muito pouco. Pela educação, nada. Coisas da nova sociedade.

E, ainda assim, mesmo quando não deu audiência às TVs e adquiriu uma boa formação, o indivíduo apresenta tendências à massificação. Nas novas relações, novas reações. Mulheres independentes, distintas, já não querem relações sérias, compromissos formais. Homens engravatados passaram a classificar o casamento como algo supérfluo. Para muitos deles, a família deixou de ser a instituição mais poderosa; foi substituída pela imagem. E pela tal da imagem, gente da alta sociedade — essa high society na forma em que está — olha-se no espelho, tira fotos com filtros, falsos olhares, caras e bocas, joga a própria essência fora. Introjeta-se, por fim, à moda, na moda, coloca-se no topo da pirâmide. O rapaz pedinte bem abaixo, na camada oposta.

(…)

Na nova sociedade, chata como está, eu sou marginal por opção. Significa que me esforço para, de certa forma, estar separado da esfera social, ocupando as beiras, as margens, longe do centro das coisas, afastado da moda vã, sempre à espreita. Marginais estão à beira da sociedade e eu optei: sendo assim, serei um marginal, muito obrigado. Afinal, enche-me a paciência ver a sociedade na forma em que está; da TV às redes sociais, da escola às novas relações. Cruzes!

E aí? Vai encarar?