Pipas

Aprendeu a deitar sobre a grama com o pai. Aos 2, pouco se importa com os insetos que às vezes ali aparecem e confia na fofura do gramado, tanto que não são incomuns os mergulhos seguidos de uma ou outra testada no chão verde. Nem vermelho fica. E, de tão acostumado, Emanuel se deita no jardim ao lado do pai grande-gigante, como ele diz, enche a roupa de mato seco e assim, olhando para cima, depara-se com o céu azul clarinho. Nele, vê aviões enormes, outros pequenininhos, pássaros voando baixo, pertinho, urubus voando bem altão; vê pipas dançando e nuvens em forma de jacarés e dinossauros. E depois enjoa, vira de bruços sobre a grama e volta a brincar feliz. Levanta, corre, joga bola, bolinhas, empurra o caminhão de brinquedo, mexe com água, com a motoca plástica, o violãozinho desafinado, depois com as plantas, sente o cheiro, sente o vento, molha-se todo e logo seca sobre o mato seco. E nem precisa estar seco para mergulhar de novo e, novamente deitado, fascinar-se com a Lua que, embora popularmente conhecida pela noite, vive a nos visitar brilhante durante o dia em dias de céu azul clarinho, desses ótimos para empinar.

Quando pequeno, aprendi a fazer pipas com meu pai. E ainda me lembro bem da configuração das varetas de bambu ajeitadas com uma linha e colagens de papel de seda. Pudera, o desafio proposto pela escola era justamente esse: erguer uma pipa feita à mão. Na ocasião, o avô do Emanuel fazia as vezes de pai sob um céu muito parecido: azul clarinho, grandão, com pipas dançando e nuvens em forma de jacarés e dinossauros. Memórias de uma infância feliz, dos shows à família na sala com direito a sanfoninha e fone de ouvido, das manhãs de domingo no clube, viagens ao sítio enrolado em cobertas, dos pacotes de figurinha que papai me entregava ainda de terno e times de botão espalhados no chão da cozinha. O pai da época, que hoje faz as vezes de avô, era grande-gigante, fascinante quando visto de baixo para cima.

Há pouco, ainda dormindo, Emanuel perguntou à mãe se ela via as pipas. No sonho dele, certamente dançava num céu azul clarinho a pipa do herói grande-gigante que, como pai, eu me tornei na mente do Emanuel. Saí do quarto rezando para que seja mais uma dessas pipas que voam eternamente, como já há três décadas voa em minhas lembranças a pipa feita por meu pai na escola, meu herói grande-gigante.

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