Relacionamento de Araque

Tem quem diga que a expressão “de araque” provém da condição insustentável de um bêbado que, alcoolizado, não sabe sequer o que diz. Diz-se, portanto, que algo é “de araque” quando não tem valor, embriagou-se. Neste caso, Araq (ou araca, em português) refere-se a uma bebida oriental obtida a partir da destilação de partes da palmeira (ou até do arroz!); daí o termo. (…) Nos dicionários, típico, a coisa muda. O Aurélio, por exemplo, classifica o termo “de araque” como aquele que representa o acaso, a casualidade ou, ainda melhor, o ordinário ou de qualidade inferior. No Michaelis, significa pessoa ou coisa falsa, insignificante, de mentira, sem valor.

Quando um relacionamento acaba, principalmente quando a situação-fim não é das melhores, parece-me comum que as partes envolvidas enxerguem uma a outra como sendo “de araque”. A infantilidade, nesses casos, vai à flor da pele. Pessoinha de araque essa aí, viu? Sim, é aquela coisa patética de um lado achar que o outro não vale tanto quanto parecia, tal e coisa, coisa e tal. (…) Aí, assim como acontece quando superfluamente entendemos a gargalhada como alegria, o choro como tristeza e não entendemos os níveis intermediários, a percepção aguçada se faz necessária. Falta percepcão.

Eu explico.

Imagine óculos sob a forma de dedos (sim, esses aí da sua mão!). Veja as crianças na imagem deste post. Bastou que elas unissem polegares e fura-bolos, encostassem as pontas dos dedos de ambas as mãos e, bingo!, eis que apareceram óculos, um para cada uma. Na imagem, bonitinhas, elas brincavam. Imaginou? Para ilustrar, se transformássemos em algo traduzível por um teclado, seria algo como ” >< “. (…) Agora imagine que, nos relacionamentos, as pessoas se encontram, energizam-se e, assim, quando a energia se transforma em algum tipo ímpar de amor, o relacionamento flui. Aliás, no exemplo do óculos, o relacionamento é representado pelo encontro entre as pontas dos dedos.

O SÉRIO problema: relacionamentos entre seres humanos muitas vezes acontecem somente nas extremidades, na intersecção, de maneira que todo o resto é comumente desconsiderado. Seria como levar em consideração só a união entre os dedos, as pontas de polegares e fura-bolos que formam os óculos, mas desconsiderar o punho, a palma e as falanges, ou seja, todo o resto. (…) Num relacionamento, fato longe de ser raro, o ser humano considera as pontas, o mais tangível, e desconsidera o que sobra.

É como engatar um novo relacionamento porque a parceira é bela, mas desconsiderar os problemas que ela tem com vícios. Reclamar de uma nota 7, mas desconsiderar o problema pessoal que o levou até ali. É como findar um relacionamento porque as brigas são frequentes e perceptíveis a olho nu, mas não levar em conta as possibilidades de sucesso da empreitada, fruto muitas vezes das reviravoltas que as mudanças nos trazem. É como reclamar de modo agressivo do funcionário que não lhe entrega o trabalho no prazo, mas desconsiderar os dias de tensão pelos quais ele passa, por exemplo, por conta da doença de um ente querido. Terminar um noivado sem levar em consideração a tão-rara amizade entre as famílias. Enfim, é como se a vida estivesse toda ali, desenhada na ponta, na extremidade, e os envolvidos desconsiderassem tudo que está por detrás das cortinas.

(…)

Na dúvida, abra a cabeça. Porque nenhum relacionamento é de araque, nenhum ser humano é de araque. Burro, de araque, é quem não percebe o que está por trás das pontas, nas falanges, lá nos bastidores da vida.

Zé Pequeno On the Rocks

Não acredito nesse negócio de inferno astral e, ainda que acreditasse, sequer estaria perto do meu; nasci em maio, primeiro, estamos no meio de outubro. Acredito que há males que vem para o bem. Aliás, poderia até não registrar o causo aqui e ainda assim não me esqueceria. A história começou no microondas, culminou num mar de gelo (…) e ainda acontece.

Costumo alugar filmes e devolver com atraso. Tenho problemas sérios com a dinâmica locadoras vs tempo para alugar/devolver. Por vezes prefiro comprar o danado do filme e não me preocupar. (…) Dias atrás, já pensando na devolução, aluguei um blu-ray, preparei pipoca de microondas, arrumei o quarto e deitei para assistir. Poor decision. Não pela má decisão, mas pela p-i-p-o-c-a. Prum! Quebrei um tequinho de um dos molares porque mordi um milho-não-estourado com força bruta. Dentista.

Depois foi o sábado. Carro novo, centro de Guarulhos, e eu a 20 km/h na esquina mais movimentada da cidade — Tiradentes vs Paulo Faccini –, prestes a ultrapassar um semáforo que ainda estava verde. Por mais 2 segundos, o bem da verdade, mas verde. Ali, importante salientar, o sinaleiro é do tipo mais moderno, com contagem regressiva. (…) Eis que um jovem apressadinho engavetou seu Prisma 2010 no meu carro, coitado, novinho! Seguro, primeira edição.

Segunda-feira de trabalho: passo, repasso, pago. Ou não. (…) Nem quero falar sobre o assunto.

Então, a terça-feira. O dia amanheceu bonito, com a cara de quem nada quer. Gatuno. À tarde, uma tempestade. E aí, quando se imagina uma tempestade no Brasil, nem passa pela cabecinha a ideia de que toneladas de gelo podem cair do céu. Ih, por vezes a gente se engana; e o céu troou. On the rocks! Foram caminhões de gelo em pedras caindo bem do alto, em alta velocidade. Muitas explodiam sobre o coitado do carro, novinho. Vidro quebrado, furinhos mil. Seguro, segunda edição.

Aí começa a patifaria cético-macumbenta do inferno astral. Origem: O bando que atribui ao azar tudo que acontece. Um diz que a culpa é minha, argumentando em favor do acontecimento, contra a compra. “Talvez não fosse a hora de comprar o carro, hein?”. Outro, pior, culpa o carro. “Nem bem arrume o carro e venda-o! Tem encosto nisso aí!”. É um pior que outro; um mais gástrico que o outro. Agora, dica: SEMPRE depende do ponto de vista.

Sabe? Sou de infernizar, ou pior, enfrenesiar. Comumente atribuiria todo esse remeleiro ao inferno astral, xingaria os Céus e o próprio inferno, aquele do fogo-fátuo em seu pior sentido. Mas não. Pelo bem, talvez por conta da madureza, mudei. Aproveitei-me de todo o mal para viver algo diferente. (…) Sem um tequinho do dente, vítima da pipoca, voltei ao dentista para o qual, relapso, não ia havia um todo ano. Sem o carro, todo f*dido, andei quilômetros a pé e mais um bocado de ônibus. Vi gente, conversei com ainda mais. E além: renovei minha carteira de habilitação, assinei meu contrato social, defini priorizar a GQuest e tive ideias, muitas, que certamente serão motivos para bons posts no futuro. Vivi, curti, curto. (…) Ah, e percebi também que meus causos não eram problemas, mas simplesmente causos. (…) Meu dente vai bem, obrigado. O carro? Arrumando, obrigado.

Também porque, querido leitor, se todo problema fosse um carro quebrado, um dente quebrado ou um carburador furado, a vida seria como um mar de rosas. Seria, não é. (…) Seria, não é? (…) Inferno astral, que nada! Meu nome é Zé Pequeno!

Amor Pisca-Pisca



(…) Eis que me deparo com uma situação em que o dilema do sentido da vida se pôs à frente: afinal de contas, viver pra quê? (…) Não é de hoje que consigo me abstrair da realidade e imaginar o nada, como se toda forma de vida não existisse. Preto. E decerto o silêncio seria tão insuportável que, aí sim, o ser-inóspito se justificaria. (…) Ontem, assim que saí do trabalho, encontrei-me com meus pais, festa de família maçônica, onde pude conversar sobre a origem da vida, a infância e juventude de Jesus Cristo, o céu, o inferno, a vida pós-morte (?) e sobremaneira sobre os impactos da fé e das religiões no desenvolvimento humano. (…) Eis, então, que me deparo com o dilema do sentido da vida, que se pôs novamente à minha frente: viver pra quê? (…) Será mesmo que o tal sentido da vida, a coisa mais fantástica que aprendemos por aqui, é amar e, em troca, sermos amados? Também porque, imagine, se for isso mesmo, novos questionamentos podem surgir: por que trabalhar e ganhar dinheiro? Por que sonhar com algo que não esteja no contexto de amar e ser amado? Afinal de contas, se não no amor, viver pra quê? (…) Se for no amor, a beleza do mundo se justifica, a existência se justifica, a ausência do inóspito silêncio se justifica e, então, a boneca Emília passa a ter razão. Porque para ela, diria ao Senhor Visconde, a vida é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. A vida das gentes neste mundo, diria ao sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama. Pisca e anda. Pisca e brinca. Pisca e estuda. Pisca e ama. Pisca e cria filhos. Pisca e geme os reumatismos. Por fim, pisca pela última vez e morre.

Pois que seja para amar e, em troca, ser amado.

Teoria da Dança

 

 

Não gosto da neobadalação. Muito embora trabalhe eventualmente como DJ, não gosto. Aliás, experimente perguntar a um profissional da música se, por pura diversão, ele frequentaria uma casa noturna: o NÃO seria retumbante. Há anos defendo o que chamo de Teoria da Dança — bobeira que, à toa, eu mesmo criei. Diz que “Todo jovem vai à balada porque precisa resolver problemas de cunho psicossocial e vê na dança, na música, na caixa-escura-e-pisca-pisca um abrigo onde pode se esconder e se ver livre — ao menos por alguns instantes — de tais problemas”. Ah, e nem é tão complicado entender os motivos que acionam a atitude dos jovens; com a tal teoria, explicar a condição vividas por milhares aos finais de semana fica fácil.

O trabalho do DJ é importante; a música sempre foi fundamental nesses ambientes. E é tão importante que, imagine, se tirássemos a música de uma pista de dança (geralmente em altíssimo volume!), tudo ficaria sem sentido. Seriam toneladas de corpos jovens se remexendo, rebolando, dançando e rodando ao léu, pairando sobre o ridículo. Aliás, é justamente na dança, na música, no nada, que esses jovens jogam toda a culpa. Muitas vezes nem são tão jovens assim, mas uns marmanjões. No fundo de seus corações, cada jovem ali está por um obscuro motivo: alguns porque querem saciar a libido, querem encontrar uma pessoa com quem se relacionar (ainda que por uma noite) ou massagear a autoestima, outros porque precisam se autoafirmar em seus grupos, bebericar uns mililitros de álcool e sair um pouco de si, vestir a roupa nova (geralmente cara!) ou mesmo porque ficariam depressivos, sozinhos, em outro ambiente qualquer; em casa ou com a família, por exemplo. No fundo de seus corações, os problemas psicossociais são tão agravantes, tão agravantes (!), que a neobadalação passa a fazer o papel de uma viciante droga. Droga. Caça e Caçador.

Dança e música, nesse contexto, passam a ser um escudo. Basta adentrar uma casa noturna para perceber que ali, naquela caixa quadrada e escura, exceto pelo dançar, beber, conversar groselhas ou se esbarrar de distintas formas, não há nada para se fazer. Nadinha. Ali, em grupos, os jovens dançam. E dançam porque não poderiam assumir, quando adentram, que procuram resolver problemas de cunho psicossocial. Não seria de bom tom, é evidente, que um jovem garoto falasse à hostess ou à cobiçada mulher, logo no primeiro encontro, que ali está em busca de uma noite de prazer gratuito ou à caça da pessoa amada. (…) E assim sendo, atentados e protegidos pela altura do som, todos conversam ao pé-do-ouvido, trocam olhares fakes, fazem movimentos sensuais ao tentar atrair a presa, cantam para demonstrar que aprenderam o idioma inglês ou a letra da nova música e ainda, para tanto, gastam o dinheiro além-da-conta como se tudo fizesse alguma diferença. E de repente faz; para a mente.

O NÃO retumbante dos indivíduos que não frequentam esse tipo de lugar se dá porque os problemas psicossociais em questão — digo os típicos dos mais jovens — já foram resolvidos. Não vão à neobadalação porque já saciam a libido à moda, quando querem, ou mesmo já encontraram uma pessoa para a vida, têm a autoestima massageada, não mais precisam se autoafirmar em seus grupos e, sobretudo, porque (quando já não o fizeram) estão em fase de constituir uma família, criar filhos. Não há problemas adolescentes a serem resolvidos, não tem mais sentido.

Por fim, eu não gosto da neobadalação, mas ainda assim mantenho minha posição: torço para que ela continue gerando empregos ao barman, ao vendedor de chicletes, ao técnico de som, ao organizador de eventos, à hostess, à menina do caixa (…) e ao DJ!

Muito obrigado, jovens.

O Presente

 

Estive a conversar com uma grande amiga há alguns dias sobre incerteza, esse negócio de não saber o que a vida vai nos oferecer no dia seguinte. Concluímos que, bem espertinhos, nós sempre a utilizamos segundo a conveniência.

É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã é típica. A frase ilustra bem como se dá, em nossas cabecinhas, a dúvida sobre o futuro. Também porque, se você parar pensar, o bem da verdade, o amanhã realmente não há. E fato comum: nesse sentido a gente se classifica como a gota d’água, o grão de areia. Somos nada diante do incerto.

Tomamos decisões importantes em relação à vida pessoal e profissional, das menores às graaandes. Em detrimento de outra, por exemplo, optamos por uma carreira que perdura ao longo de toda a vida (ou ao menos até outra importante decisão nos levar a novos ares). Além, outro fato comum, entregamos o coraçãozinho numa bandeija dourada àquela pessoa que, a priori, merece, ou melhor, aparenta merecer. Compramos carros, casas, trabalhamos além da conta e investimos tempo e dinheiro nos mais diferentes apelos da sociedade moderna, dos cosméticos para a pele, perfumes e academias de ginástica à velha e boa biblioteca doméstica ou, nos casos em que a família já se consolidou, à mensalidade escolar dos filhotes. (…) Em todas elas, da decisão mais simples à mais complexa, as resultantes são incertas; é difícil prever se o ponto final de tanto esforço será algo positivo ou não.

Nossa esperteza, no entanto, encontra-se no ponto em que a incerteza se torna conveniente.

É bastante conveniente, #reflita, decidir e atribuir à incerteza o argumento elementar da decisão. (…) (1) O rapaz que abandona o relacionamento porque o futuro entre ele e a namorada, à sua percepção, lhe parece incerto. (2) A cobiçada garota do canto da sala que, por sua vez, não se relaciona com o galã de toda a escola porque acredita, muitas vezes baseada justamente em sua própria confusão, que a possível união pode não se sustentar ao longo do tempo por um ou outro motivo fútil. (3) O vestibulando que ama analisar os mistérios do mar e NÃO opta por estudar oceanografia porque NÃO está certo de que sua escolha, em cinco ou dez anos, poderá lhe trazer uma quantidade suficiente de dindim para bancar toda uma família. (…) Coitadinha da incerteza, pobre injustiçada, é vista nos três casos como a toda-culpada por todas essas armadilhas.

Ao meu ver, pouco sabemos e pouco saberemos sobre o futuro. Muito embora possamos minimizar os riscos do mal-viver com uma boa dose de planejamento, é bem improvável que consigamos, a todo momento, vislumbrar o que a vida vai nos oferecer no dia seguinte. E quer saber? Que bom, não é mesmo? Seria chatérrima uma máquina do tempo com a qual pudéssemos navegar por toda a nossa timeline. C-h-a-t-é-r-r-i-m-a! (…) Resta-nos conviver com a incerteza e vivenciar o que temos hoje: nosso Presente. Nesses raros casos, ninguém culpa a incerteza por conveniência e a vida fica ainda mais interessante: o rapaz abandona a garota porque não sentiu ‘a liga’ ou porque realmente nada sente por ela, a cobiçada garota do canto da sala assume seu amor pelo galã e deixa, enfim, todo o amor acontecer, e o vestibulando, meus parabéns!, parte para uma bem-sucedida carreira como oceanógrafo. Resta-nos viver o Presente, desencanar um pouco da eterna tentativa de prever o futuro (aka trabalho da Mãe Dinah) e curtir. Porque a vida é agora.

Carpe Diem, folks! Amemos e curtamos a vida como se não houvesse amanhã.