Quando criança, por volta dos 7, dizia à minha mãe que para ela compraria um Escort XR3 0km com o primeiro salário. Decerto o primeiro salário teria sido insuficiente, mas hoje trocaria — sem quaisquer dificuldades — um bom notebook por um desses neocalhambeques. Fato: à luz daquele tempo, coitado de mim, ainda criança, sequer por um sobradinho ajeitado na região central de Guarulhos. Duas décadas nos separam da promessa.
Mamãe comprou um carro há um mês, aos 63. E eu fui até lá. Negociamos juntos, sentados à mesa, entramos nos carros que estavam disponíveis na concessionária, fizemos test drive. Quando sentou ao volante do escolhido, mamãe chorou (…) e também quando assinou o contrato. Não porque comprava um carro, não pelo bem repleto de tecnologia e modernidade, mas pela realização de um sonho. E, assim, ninguém poderia dizer para ela, ali, que o carro era do tipo com o qual se gastava muito, que não era tão bonito como se pensava ou que vivia dando problema. Era o momento da vida. O carro, 0km, zerinho, estava ali (…) e era dela.
Conversávamos uma querida amiga e eu outro dia. Fez-me refletir.
Mamãe nasceu numa família pobre. Pobre mesmo, lá em Careaçu, sul de Minas Gerais. Foi empregada doméstica aos 15, andava descalça, mudou-se para SP porque acreditava numa vida melhor e tão logo foi ganhar a vida penteando cabelo de bonecas. Conheceu meu querido pai num baile. Casaram-se. (…) E viveram dificuldades juntos, construíram com um baita esforço a casa onde até hoje vivem, amaram-se, tiveram dois filhos, puseram ambos em boas escolas e faculdades, aposentaram-se, comemoraram 30 anos de casamento e conheceram o mundo. Foram à Europa, fotografaram Genova (cidade natal dos meus avós), fizeram compras em Paris e beijaram-se num daqueles barquinhos românticos de Veneza. Hoje (06/07/2010) mamãe está curtindo as lindas netinhas — Marina (3) e Nicole (7) — em Careaçu, onde nasceu numa família pobre.
O carro era o estopim, a cereja do bolo.
Mamãe chorou quando sentou ao volante do carro escolhido e assinou o contrato. E o motivo das lágrimas não foi sequer o carro, parece-me óbvio. Mamãe chorou porque realizava ali, de repente, o sonho que faltava, pois até então realizara todos os sonhos possíveis para uma mulher nascida em berço nem tão esplêndido. Trabalhou muito, estudou o quanto pôde, teve filhos, criou-os com dignidade, encontrou um amor para toda a vida e com ele viveu, de fato, a vida inteira; construiu sua guarida, foi forte nos momentos de fraqueza e uma manteiga derretida nos momentos de glória. Deixou seu legado. (…) O carro, mero coadjuvante, foi o símbolo. O carro, 1.4 flex, foi simplesmente o troféu que representava, ali, uma vida inteira de amor.
Meu filho, aos 7, prometerá um carro a mim com seu primeiro salário. Nesta noite de inverno, reflito: meu maior sonho.
Willian, o blog está lindo! E o texto então, nem se fale. Até eu me emocionei… Parabéns!
Obrigado, Paula!
Falar de família é sempre assim.
Emociona.
Beijos!